Um carnívoro raro

Acaba de ser descrita uma forma rara de dinossauro carnívoro encontrada na Argentina. Austroraptor cabazai é o nome da fera. Como é comum com fósseis, somente se conhece um esqueleto incompleto desse réptil, formado pelo crânio, mandíbula, vértebras do pescoço e do dorso, restos de membros e outros pedaços. O material foi encontrado 90 quilômetros a sudoeste da cidade de Lamarque, onde afloram as rochas da Formação Allen, cuja idade é estimada em torno de 70-72 milhões de anos.

No alto, a representação artística do Austroraptor cabazai, o dinossauro carnívoro argentino que acaba de ser descrito. Embaixo, um esquema que mostra as partes do esqueleto a partir das quais a espécie foi descrita (reprodução / Proceedings of the Royal Society B).

Em se tratando de um dinossauro carnívoro, a descoberta por si só já seria motivo de comemoração, visto que eles são raros em toda a América do Sul, no Brasil inclusive. Mas a surpresa maior veio com a classificação da nova espécie, feita a partir dos ossos que estão guardados no Museu Municipal de Lamarque, na província de Rio Negro. Ao examinar esse material, a equipe do paleontólogo Fernando Novas, do Museu Argentino de Ciências Naturais, em Buenos Aires, constatou que o Austroraptor é um legítimo representante do grupo Dromaeosauridae.

Para os desavisados, são justamente os dromeossaurídeos os dinossauros que, junto com outro grupo (os troodontídeos), são tidos como os parentes mais próximos das aves. Aliás, todas as aves, incluindo o Archaeopteryx – a mais primitiva que se conhece – estão em um grupo tecnicamente chamado de Avialae. Representantes dos dromeossaurídeos são encontrados principalmente nos Estados Unidos e na Ásia, destacando-se nos últimos anos as dezenas de espécimes coletadas nas famosas camadas chinesas de Yixian e Jiufotang.

O dromeossaurídeo mais famoso vem da Mongólia e se chama Velociraptor – trata-se de uma das espécies que mais aterrorizaram os espectadores nos filmes Jurassic Park. Na América do Sul, antes do Austroraptor, eram conhecidas apenas três espécies desse grupo, entre as quais a Unenlagia paynemilli, procedente dos depósitos de cerca 90 milhões de anos situados às margens do Lago Barreales.

Esqueletos dos dromeossaurídeos Deinonychus, da América do Norte (com cerca de 3 metros), e Buitreraptor, da Argentina (cerca de 1 metro). Com 5 metros, o Austroraptor era ainda maior do que a forma norte americana. Os exemplares da imagem estão expostos no Field Museum, em Chicago (EUA). Foto: Alexander Kellner.

O mais completo dinossauro sul-americano desse grupo é o Buitreraptor, também encontrado na Argentina. No Brasil, excetuando-se alguns possíveis registros de dentes, não se encontrou nenhum representante do grupo. O único outro dromeossaurídeo encontrado ao sul da linha do Equador (nas terras que outrora formavam o supercontinente Gondwana) é o Rahonavis, de Madagascar.

O ladrão do sul
O Austroraptor, cujo nome literalmente significa “o ladrão do sul”, se diferencia dos demais dromeossaurídeos por possuir braços relativamente curtos, mas que não chegavam a ser tão diminutos como os do Tyrannosaurus rex ou do Carnotaurus – formas de grande porte da América do Norte e Argentina, respectivamente.

O réptil encontrado na Argentina possui um crânio bem alongado e dentes curtos de forma cônica e desprovidos de serrilhas, o que é bastante incomum nas espécies carnívoras, inclusive nos outros dromeossaurídeos. Além disso, a dentição da nova forma argentina era constituída de quase 50 dentes na arcada superior – número bem superior ao de seus parentes dos continentes do norte, que tinham entre 18 e 30 dentes.

Outra característica que chama atenção no Austroraptor é o tamanho. Segundo a descrição da espécie, publicada na Proceedings of the Royal Society B, o réptil argentino tinha aproximadamente 5 metros do focinho até a ponta da cauda – fato bastante curioso para um grupo que deu origem às aves, cujas formas primitivas possuem porte bem menor.

Nesse sentido, a descoberta do Austroraptor corrobora um estudo anterior, realizado por paleontólogos americanos e publicado pela Science em 2007. Esse estudo, realizado pela equipe de Alan Turner, do Museu Americano de História Natural, em Nova York (EUA), determinou que os dromeossaurídeos mais primitivos eram de tamanho relativamente pequeno, comparável ao das primeiras aves.

O esquema representa o tempo geológico em que viveram e o tamanho relativo de várias espécies do grupo Avialae (que engloba todas as aves), incluindo os troodontídeos e os dromeossaurídeos – os dinossauros mais próximos das aves. Note que existem três linhagens de dromeossaurídeos que tiveram formas de grande porte (números 1 a 3) e uma nos troodontídeos (número 4). A silhueta do Austroraptor, cujo comprimento estimado é de 5 m, está em vermelho. Desenho modificado a partir do trabalho de Turner et al. (2007), Science 417:1378-1381 (clique na imagem para ampliá-la).

A equipe de Turner observou ainda que três linhagens distintas de dromeossaurídeos tiveram a tendência de aumentar de tamanho: Utahraptor (e Achillobator), Deinonychus e Unenlagia. A essa última, adiciona-se o Austroraptor que, até a presente data, é o maior dromeossaurídeo achado na América do Sul.

O estudo argentino levanta ainda outra hipótese: a de que, na região sul da América do Sul, no final do Cretáceo os dromeossaurídeos de grande porte tiveram uma grande importância, tornando-se possivelmente os dinossauros carnívoros dominantes e, de certa forma, ocupando o nicho de grandes predadores como o Giganotosaurus e o  Carnotaurus, que se extinguiram antes do final do Cretáceo.

São necessários mais dados – ou melhor, fósseis de mais dinossauros de outras partes da América do Sul, inclusive do Brasil, para se estabelecer se esse domínio dos dromeossaurídeos de grande porte (acima de 5 metros) se estendeu por todo o continente.

De qualquer forma, a fabulosa descoberta do Austroraptor, que tinha um crânio alongado de quase 80 centímetros e dentição peculiar, contribui para demonstrar como eram diversificados os dinossauros carnívoros. Agora só falta encontrar um representante brasileiro desse grupo… 

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
05/01/2009

Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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Liderados por Paulo Brito, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pesquisadores acabam de descrever uma nova espécie de peixe fóssil do Brasil. Com o nome de Cratoamia gondwanica, a nova espécie foi descrita baseada em cinco exemplares coletados em rochas de calcário laminado da Bacia do Araripe (Nordeste) formadas há aproximadamente 115 milhões de anos. Publicado no Journal of Vertebrate Paleontology, o estudo aumenta a diversidade de peixes fósseis daqueles depósitos.
Foi inaugurado o Museu de Geodiversidade, durante as comemorações dos 50 anos da fundação do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Situado na antiga garagem e depósito do departamento, esse espaço de aproximadamente 700 m 2 apresenta rochas e fósseis que antes ficavam restritos para alunos e pesquisadores. O museu fica no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN), no campus Ilha do Fundão da UFRJ, e está aberto para visitação pública gratuita de segunda a sexta, entre 9h e 17h.
Demétrio Nicolaidis, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), e João Coimbra, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), analisaram a fauna de ostracodes (pequenos crustáceos) a partir de uma amostra coletada nas proximidades da cidade boliviana Santa Cruz de la Sierra. O material é procedente da Formação Yecua, com idade de 11 milhões de anos (Mioceno), e possibilitou a identificação de cinco espécies de ostracodes, uma das quais nova. O estudo, publicado na Revista Brasileira de Paleontologia, demonstrou que essa fauna é tipicamente de água doce, ao contrário do que tinha sido reportado anteriormente.
De 25 a 27 de maio de 2009 será realizado em Marrakech, Marrocos, o Primeiro Congresso Internacional de Paleontologia de Vertebrados do Norte da África. Organizado pela Universidade Cadi Ayyad e pela Sociedade de Herpetologia do Marrocos, o evento tem como objetivo congregar pesquisadores que estão trabalhando com vertebrados fósseis da região. Estão sendo planejadas excursões de campo para depósitos devonianos de Tafilalet, triássicos da bacia de Argana e várias localidades do Cretáceo e do Paleoceno. O prazo para inscrições e envio de trabalhos termina em 31 de janeiro.
Acaba de ser publicado pela Editora Publit o livro Coprólitos do Brasil, de Paulo Souto. A obra faz um levantamento detalhado de todas as ocorrências de fezes fósseis encontradas no Brasil, além de apresentar as importantes contribuições desse tipo de estudo – como, por exemplo, determinar a dieta alimentar dos organismos. Mais informações com o autor, pelo endereço eletrônico [email protected]
Em 1º de março se encerra o prazo para a submissão de resumos para o 10º Simpósio de Ecossistemas Terrestres Mesozóicos, a ser realizado de 14 a 21 de setembro na cidade de Teruel, Espanha. Com objetivo de reunir pesquisadores interessados nos ecossistemas da Era Mesozóica, o evento contará com apresentações científicas (orais e pôsteres) e trabalhos de campo na região.