Um exemplo para o Rio

Assim que a poeira baixar, a sociedade e as autoridades cariocas terão que se preparar – e preparar a cidade – para as Olimpíadas de 2016. Se há algum consenso hoje sobre o assunto, é que a tarefa não será nada fácil, e as sugestões e críticas já vêm povoando os veículos de comunicação. Justamente por isso, aproveito a coluna deste mês para deixar aqui uma singela contribuição: a leitura do livro The devil in the white city: murder, magic and madness at the Fair that changed America (O demônio na cidade branca: assassinato, magia e loucura na Exposição que mudou os Estados Unidos), de Erik Larson (Vintage Books). 

Capa do livro O demônio na cidade branca: assassinato, magia e loucura na Exposição que mudou os Estados Unidos, de Erik Larson.

O livro conta a história da preparação da cidade de Chicago (logo Chicago!) para a Exposição Universal de 1893, tanto do ponto de vista urbanístico quanto da arquitetura. A exposição foi organizada para comemorar os 400 anos da chegada de Cristóvão Colombo às Américas (era para ter sido em 1892, mas acabou sendo só no ano seguinte).

O demônio em questão – responsável pelas melhores partes do livro – é um destemido serial killer, que aproveitou a efervescência da cidade para dar golpes, enriquecer e assassinar moças indefesas, todas vindas do interior atraídas por melhores oportunidades de vida na cidade. Esta, aliás, desde o anúncio de que seria a escolhida para a realização da exposição – Chicago concorria com Nova York – passou a receber milhares de pessoas, interessadas em qualquer tipo de atividade que a cidade passasse a oferecer. Esse clima e as ilusões de enriquecimento fácil e amor eterno formaram o cenário perfeito para a atuação de H.H. Holmes, que em sua confissão declarou que nasceu com o demônio dentro de si, tanto quanto um poeta nasce com inspiração para escrever.

Mas não é por isso que talvez não seja má ideia que o prefeito leia esse livro. Aliás, por um lado, podemos dizer que sim, já que a segurança da população carioca – a do asfalto e a da favela – será um dos maiores desafios das Olimpíadas. Porém, o interessante aqui é pensar como a Exposição Universal realmente transformou Chicago.

Vitrines da modernidade
As Exposições Universais foram criadas no século 19 como símbolo do mundo moderno, como a própria concretização da ideia de progresso, como vitrines do que havia de mais importante no mundo das artes, da tecnologia, da arquitetura e da ciência. Mas também serviam para divulgar as inovações tecnológicas e os produtos industriais, que passavam, aos poucos, a ser vendidos em grandes lojas de departamentos, no clima da expansão dos mercados consumidores nos quatro cantos do mundo.

Ao divulgar novos equipamentos, as exposições ajudaram sobretudo a criar novas necessidades de consumo. É famoso no Brasil, por exemplo, o comentário de Pedro II, que, ao ouvir a voz metálica de Thomas Edison ao telefone, teria dito: My God, it speaks! (Meu Deus, isto fala!). Pois é, isso aconteceu na Exposição Universal de 1876, na Filadélfia. Quem podia imaginar o tamanho do mercado consumidor criado com a invenção do telefone?

O caso da Exposição Universal de Chicago não seria diferente. Antecedida pela de Paris, em 1889, ela tinha a responsabilidade de ser ainda mais grandiosa do que o evento que apresentou ao mundo nada menos do que a Torre Eiffel, até hoje símbolo da cidade, além de ter sido incomparável na construção de grandes pavilhões em ferro e vidro. Em Chicago, ainda havia a tarefa adicional de recuperar a região de Jackson Park, uma parte absolutamente desolada da cidade, então conhecida como Black City (cidade negra).

Vista aérea de Chicago durante a Exposição Universal de 1893. A cidade se transformou tanto do ponto de vista urbanístico quanto da arquitetura e recebeu grandiosas construções.

De acordo com o relato de Larson, os problemas foram de toda sorte: práticos, financeiros e políticos. Para se ter uma ideia, o terreno, muito alagadiço, não aguentava o peso de tantos prédios; a estrutura inicial dos edifícios era tão frágil que, um dia, os operários chegaram para trabalhar e encontraram todos os telhados destruídos pelo vento; e o orçamento estabelecido nunca acompanhava, como é de praxe, as reais necessidades da obra. A três meses da inauguração da exposição, quem passasse pelo local não conseguiria deixar de sentir apreensão. Parecia que nada ficaria pronto a tempo.

Construções monumentais

A primeira roda-gigante, inventada por George Washington Gale Ferris, foi apresentada ao mundo durante a Exposição Universal de Chicago (foto: Wikimedia Commons).

No entanto, apesar dos percalços, a Exposição Universal de Chicago aconteceu. Se não fosse lembrada por mais nada, o seria pela invenção da Ferris Wheel, nada menos que a roda-gigante, engenhoca gigantesca criada por George Washington Gale Ferris para suplantar a grandiosidade da Torre Eiffel. Mas não foi apenas isso. Tendo recebido 27 milhões de visitantes (na época metade da população norte-americana) em seis meses, a exposição transformou – e para melhor – a cidade de Chicago.

Bem de acordo com o espírito da época, foram construídos arranha-céus, grandes parques, vias expressas, pavilhões e espelhos d’água. Já no início do século 20, as modificações urbanas da década anterior se refletiram em áreas de zoneamento e em subúrbios planejados. Um dos resultados foi justamente o movimento City Beautiful (cidade bonita) – do qual Chicago foi um dos berços –, que visava aliar a monumentalidade das grandes cidades, expressas nas Exposições Universais, a melhores condições de vida para seus habitantes, o que, por sua vez, seria um fator fundamental para a construção de uma ordem social mais harmoniosa.

Hoje os tempos são outros. Certamente as Olimpíadas do Rio não terão a monumentalidade dos eventos que marcaram a passagem do século 19 para o 20 – e nem devem ter. Esperemos também que a agonia vivida pelos habitantes de Chicago a três meses da exposição não seja revivida aqui. Mas bem que as Olimpíadas do Rio poderiam ficar conhecidas no futuro como o marco da realização de um novo pacto da ordem social carioca, responsável por fazer da Cidade Maravilhosa uma City Beautiful dos trópicos.

Em tempo: O Rio de Janeiro também teve sua Exposição Universal, em 1922, para comemorar o Centenário da Independência do Brasil. Prédios magníficos foram construídos para a ocasião, dos quais não sobrou quase nada. Um bom exemplo do que não deve acontecer depois de 2016.


Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
09/10/2009