Um gatuno reabilitado

A descoberta dos primeiros ovos de dinossauros pode ser considerada um marco na paleontologia. Os exemplares foram encontrados no deserto de Góbi, na Mongólia, mais propriamente em rochas da Formação Djadokhta, durante expedições realizadas por pesquisadores do Museu Americano de História Natural (AMNH) na década de 1930. As rochas representam um extenso deserto que existia na região durante um tempo chamado pelos pesquisadores de Campaniano, ou seja, há 75 milhões de anos.

Há pouco mais de uma década, os paleontógos Malcolm McKenna, Mike Novacek e Mark Norell, também do AMNH, voltaram para o deserto de Góbi e fizeram vários novos achados. E pode-se dizer que uma dessas descobertas repara uma, digamos, grande injustiça paleontológica: a fama de “gatuno” do dinossauro Oviraptor.

Durante o início do século passado, havia na academia um sentimento generalizado que a origem da espécie humana estava no interior da Ásia. Assim, com o apoio do poderoso Henry Fairfield Osborn, diretor do AMNH, e com financiamento de titãs da economia da época, como J. P. Morgan Jr. e John D. Rockefeller, entre outros, foi organizada a primeira expedição para o interior daquele continente. A empreitada teve enorme sucesso, tanto que outras quatro se seguiram, todas entre 1922 e 1930.

O grande nome da etapa de campo foi o do americano Roy Chapman Andrews (1884-1960). De espírito aventureiro e com grande poder de organização, ele reuniu técnicos, pesquisadores e muitos trabalhadores braçais realizando um dos mais frutíferos empreendimentos campo da paleontologia, coletando toneladas de fósseis.

Inspiração para Indiana Jones
Com camelos e carros da época, semanas de acampamento no deserto e condições de extrema privação fizeram com que essas expedições tivessem um aspecto romântico e alimentassem a imagem do pesquisador que arrisca a vida em aventuras para encontrar registros de animais e plantas que outrora habitaram o nosso planeta. Não é por acaso que se comenta nos bastidores que o famoso personagem Indiana Jones teria sido inspirado em Roy.

Esqueletos de Protoceratops expotos no Museu Americano de História Natural. Este foi o primeiro dinossauro do qual foram encontrados ovos fossilizados (foto: Alexander Kellner).

Curiosamente, apesar do enorme sucesso e popularidade dessas expedições, elas não encontraram qualquer evidência da origem da espécie humana. Por outro lado, Roy e seus colegas revelaram algo de extraordinário: os primeiros ovos de dinossauros.

De volta ao AMNH, estudos sugeriram que esses ovos pertenciam a um dinossauro herbívoro chamado de Protoceratops. Na realidade, restos dessa espécie extinta de réptil são os fósseis mais comuns em Góbi, de forma que já foram achados, além de ovos dessa espécie, animais desde embriões até formas adultas. Estas permitem o estudo ontogenético, que revela as variações morfológicas durante o crescimento da espécie – algo bastante raro na paleontologia.

Injustiça e surpresa
Numa das expedições, foram encontrados restos de um dinossauro junto a alguns ovos supostamente pertencentes a um Protoceratops. Ao estudar o animal, Henry Osborn acreditou que o dinossauro em questão tivesse morrido literalmente “com a mão na massa”, tentando roubar os ovos em questão. Por isso Osborn batizou esse réptil de Oviraptor – que significa, literalmente, “ladrão de ovos”. A imagem do dinossauro roubando ovos perdurou por muitos anos.

No entanto, há pouco mais de uma década, Norell e seus colegas encontraram durante uma expedição a Góbi restos de um dinossauro que estavam sofrendo erosão na superfície. Como uma expedição para a Mongólia requer muito esforço físico e muito dinheiro, a equipe deixou aquele material intocado e preferiu procurar outros fósseis mais completos. Porém, o destino quis que a campanha naquele ano não fosse muito produtiva, e os pesquisadores resolveram coletar os restos incompletos daquele dinossauro.

Ninho com esqueleto parcial de Oviraptor em exposição no Museu Americano de História Natural. Estudos recentes sugerem que esse dinossauro protegia seu ninho e não roubava ovos, como se supunha (foto: Alexander Kellner).

Qual não foi a surpresa deles ao perceber durante a escavação que, debaixo dos ossos, havia… ovos! Como pode acontecer na paleontologia, o fato de que dois fósseis tenham sido encontrados juntos não significa necessariamente que eles tenham vivido ao mesmo tempo. Portanto, nada garantia que aqueles ovos tivessem alguma ligação direta com o réptil junto com o qual foram encontrados.

Essa relação só foi apontada após a preparação, já no museu: os ossos de dinossauros estavam na postura de um animal que estava protegendo a ninhada. E o mais surpreendente: o dinossauro era o Oviraptor…

Acusação injusta
O que teria acontecido então com esse exemplar? E como ficaria então o material encontrado por Osborn? O Oviraptor, ao contrário da que se supunha, fazia seus ninhos e protegia os ovos à maneira como procedem as aves modernas.

Os pesquisadores imaginam que, há 75 milhões de anos, uma tempestade de areia teria surpreendido um indivíduo de Oviraptor (o nome completo da espécie descrita por Osborn é Oviraptor philoceratops; outras mais têm sido encontradas). O réptil em questão estava provavelmente chocando os ovos ou então correndo para proteger seu ninho. Porém, todos terminaram mortos no incidente.

Esta foi uma verdadeira tragédia dupla. Não bastasse a morte de uma mãe que provavelmente estava protegendo seus futuros filhotes, o evento acabou culminando numa acusação injusta, algumas dezenas de milhões de anos depois. Felizmente novos fósseis vieram à luz para reparar a reputação do Oviraptor !

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
06/03/2009

Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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O colega Cástor Cartelle, do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, e colegas franceses acabam de publicar a descrição de uma nova preguiça fóssil do Brasil. Encontrada em depósitos do Quaternário depositados em uma caverna submersa na região chamada de Poço Azul, município de Nova Redenção (BA), a nova espécie recebeu o nome de Ahytherium aureum. Até o presente momento é conhecido dessa preguiça um crânio e uma mandíbula completos e diversos ossos do esqueleto, possivelmente representando mais de um indivíduo. No trabalho, publicado na revista francesa Comptes Rendus Palevol, os autores tecem comentários sobre outras espécies de preguiças fósseis.
Em dezembro foi inaugurado o museu de paleontologia da Universidade Federal do Rio do Sul em homenagem ao professor Irajá Damiani Pinto. O espaço homenageia também o professor Mário Costa Barberena, que empresta o nome a uma sala de exposições. Com 150 m2, a sala em questão conta um pouco da evolução da vida na Terra, com especial atenção para os afloramentos e a fauna do Triássico encontrada no Rio Grande do Sul. A mostra é aberta para o público. Mais informações:  (51) 33… / 3308-6391.
O Museu Paraense Emílio Goeldi foi homenageado pelo Grêmio Recreativo Piratas da Batucada, que ficou em terceiro lugar no Grupo Especial das Escolas de Samba de Belém. Com o enredo “Museu Paraense e contribuições de Emílio Goeldi da Amazônia para o mundo”, a escola de samba mostrou com muita desenvoltura diversas áreas de pesquisa do museu, que também realiza atividades na paleontologia. A exemplo da homenagem ao Museu Nacional da UFRJ no carnaval carioca de 2008 no grupo de acesso C, o enredo dos Piratas demonstrou o destacado interesse popular pela ciência que, como se vê, dá um belo samba!
A equipe de John A. Long, do Museu de Victoria, em Melbourne (Austrália), acaba de relatar a descoberta de embriões em espécimes de Incisoscutum ritchiei, um peixe do grupo dos placodermos, que são formas extintas bem primitivas possuidoras de uma couraça envolvendo cabeça e ombros. Além dos embriões, os pesquisadores também conseguiram determinar que a nadadeira pélvica era utilizada na copulação. A descoberta, publicada na Nature, mostra claramente que a reprodução pela fertilização interna e a viviparidade eram bem mais comuns nesses peixes primitivos do que se supunha anteriormente.
O grupo liderado por Alan Pradel, do Museu de História Natural de Paris (França), acaba de reconstruir o crânio e o cérebro do uma quimera fóssil. Com poucas espécies viventes, as quimeras estão relacionadas com as raias e os tubarões, sendo que em geral seus fósseis são mal preservados. Na pesquisa atual, que contou com a participação de John Maisey, do Museu Americano de História Natural, em Nova York, foram empregados diferentes equipamentos e técnicas de tomografia na análise de crânios de quimeras excepcionalmente bem preservadas achadas em rochas de 300 milhões de anos no Kansas (EUA). O estudo, que inclui a descoberta do tecido mole de cérebro fossilizado de um desses animais, foi destaque na revista PNAS.  
Em 13 de março, será aberta ao público a exposição Dinossauros do Gondwana no Museu Nacional de Ciências de Tóquio, no Japão. Financiada pelo Yomiuri Shimbum – o maior jornal do país –, a mostra reúne algumas das principais descobertas realizadas na América do Sul, África e Austrália na última década, sendo uma atualização de uma exposição realizada em 1998. O Brasil participa com fósseis do Museu Nacional/UFRJ e do Museu de Ciências da Terra/DNPM. O maior destaque brasileiro da mostra é o Maxakalisaurus topai, também conhecido como Dinoprata, que foi o primeiro dinossauro de grande a ser montado no país. A mostra termina em meados de agosto, quando todo material retorna para o Brasil.