Um herbívoro do Oeste

Quando ouve falar nos dinossauros, em que tipo de animal você pensa? Certamente a maioria das pessoas responderá: um animal de grande porte, com pescoço e cauda bem compridos, cabeça pequena e corpo volumoso. Em linhas gerais, essa é a aparência típica dos saurópodes.

Esse grupo de répteis pré-históricos é muito bem representado nos principais depósitos fossilíferos do Jurássico e do Cretáceo, mas sua origem é bastante debatida pelos pesquisadores.

Os animais que antecederam esses dinossauros são conhecidos como sauropodomorfos basais. Eles foram encontrados em camadas que vão do Triássico Superior ao Jurássico Inferior, em muitas partes do mundo como Argentina, Ásia, África, Europa e até na Antártica. Também no Brasil os sauropodomorfos basais estão representados com o Unaysaurus e o Saturnalia (talvez o mais primitivo de todos) do Rio Grande do Sul.

Um único esqueleto de Saitaad ruessi foi encontrado ao acaso por um artista

Curiosamente, apesar das intensas pesquisas sobre dinossauros nos Estados Unidos, o registro de sauropodomorfos basais naquele país é bastante escasso. Isso começa a se modificar com a descoberta de uma nova espécie – o Saitaad ruessi – pelos pesquisadores Joseph Sertich (Universidade de Stony Brook, Nova York) e Mark Loewen (Museu de História Natural de Utah, Salt Lake City). O novo réptil foi descrito em artigo que acaba se ser publicado pela revista PLoS One.

Um único esqueleto de Saitaad ruessi foi encontrado ao acaso por um artista chamado Joe Pachek, que avistou ossos em um penhasco na região de Comb Ridge, em San Juan, no sul do estado de Utah. Nessa área são encontradas rochas do Jurássico Inferior formadas há aproximadamente 185 milhões de anos e denominadas de ‘arenito de Navajo’. 

Ninho das Águias
Os fósseis do ‘Saitaad ruessi’foram encontrados na parede de um penhasco quase vertical, logo abaixo de uma formação que os indígenas locais chamavam de ‘Ninho das Águias’ (foto: Museu de História Natural de Utah / Univ. de Utah).

Ambiente árido

O exemplar estava preservado em uma camada de arenito depositado pelo vento em um ambiente desértico. Logo abaixo dessa camada são encontradas as rochas da Formação Kayenta, que representa um antigo ambiente formado por rios. Isso sugere que o dinossauro vivia provavelmente em um ambiente muito árido, no qual ocasionalmente os rios eram assoreados por dunas – o que, diga-se de passagem, também ocorre em algumas regiões nos dias de hoje.

Avisados, os pesquisadores do Museu de História Natural de Utah foram ao local e constataram que o exemplar era realmente interessante, mas a sua coleta não seria nada fácil: os ossos estavam na parede de um penhasco quase vertical. Ao contrário do que se faz normalmente, a coleta não se daria em uma camada horizontal, mas seria necessário escavar ‘para dentro’ da parede – algo nada trivial. As complicações não pararam por aí. A rocha era muito dura – justamente a pior combinação para recuperar um fóssil.

A coleta não seria nada fácil: os ossos estavam na parede de um penhasco quase vertical

Para a retirada do exemplar foi necessário empregar uma serra industrial com uma lâmina de serra diamantada – nada de pincéis ou trinchas como no filme Jurassic Park. O trabalho avançou lentamente, pois havia o risco de fraturar esqueleto. Mesmo com todo cuidado – que envolveu os tradicionais martelos e ponteiras –, o que todos temiam acabou acontecendo: o bloco com o dinossauro se partiu em dois, para desespero dos pesquisadores. Apesar do susto inicial, felizmente não foi nada grave e a maioria dos ossos quebrados puderam ser cuidadosamente restaurados no laboratório.

Apesar da dureza da rocha, os ossos eram frágeis. Assim, os preparadores optaram por isolar apenas alguns elementos e expor os demais somente em um dos lados, mantendo-os na forma em que foram encontrados. As partes que ficaram escondidas nas rochas puderam ser estudadas com ajuda de imagens de tomografia – técnica cada vez mais utilizada na pesquisa paleontológica.

Esqueleto de 'Saitaad ruessi'
Reconstrução do esqueleto do ‘Saitaad ruessi’, réptil do Jurássico que media 3,5 metros do focinho à cauda. Os ossos representados em branco foram encontrados; os cinzentos se perderam (reprodução / PLoS One).

No final, tudo valeu a pena: os esforços foram recompensados com a descoberta de um novo sauropodomorfo basal – bastante raro naquele país. As principais feições que distinguem o Seitaad ruessi das outras espécies do grupo estão localizadas nos braços e mãos, que sugerem uma musculatura muito desenvolvida. O animal tinha aproximadamente 3,5 metros do focinho à cauda. Ele era, portanto,  bem menor do que os saurópodes, seus parentes mais distantes.

De cabeça para baixo

De cabeça para baixo
O esquema mostra como os fósseis encontrados estavam enterrados. O esqueleto do animal foi preservado em uma posição inusitada, de cabeça para baixo, o que indica que pode ter sido soterrado após o colapso de uma duna (reprodução / PLoS One).

Um fato que deixou Joseph Sertich e Mark Loewen muito intrigados é a maneira um tanto inusitada de como o esqueleto de Seitaad estava preservado: inclinado, quase verticalmente em relação à superfície da camada rochosa, tendo a região da cabeça – que não ficou preservada – disposta para baixo. Este tipo de postura difere muito do que normalmente ocorre nos achados de vertebrados fossilizados, geralmente dispostos paralelamente à superfície da camada.

Embora seja difícil inferir o que aconteceu, os pesquisadores observaram que o esqueleto estava articulado, com praticamente todos os ossos encontrados dispostos em posição anatômica. Esse fato indica claramente que tecido mole – como músculos e tendões – estavam presentes mantendo todas as partes encontradas do esqueleto em posição quando esse indivíduo foi soterrado.

Porém, ao contrário do que se poderia pensar, o dinossauro não foi enterrado vivo – faltam muitas partes. Algumas – como o pescoço e a cabeça – deveriam estar originalmente presentes, mas foram perdidas devido à erosão. Mas a falta de outros ossos, como alguns das pernas, indica que o espécime de Seitaad  já deveria estar morto quando foi soterrado.

A melhor explicação é que, após a morte do animal, ele ficou exposto por algum tempo até um momento em que houve o colapso de uma duna, fazendo com que ele ficasse de cabeça para baixo e, em seguida, fosse soterrado pela areia.

O colapso de uma duna fez com que o dinossauro fosse soterrado pela areia

Possivelmente essa curiosa preservação inspirou a escolha do nome da nova fera: Seitaad vem de Séít’áád, uma criatura mitológica da tribo indígena Diné que soterrava as suas vítimas em dunas de areia. O nome da espécie homenageia também o naturalista Everett Ruess (1914-1934?), que sumiu misteriosamente ao explorar o estado de Utah.

Laços de família

Joseph Sertich e Mark Loewen também tentaram estabelecer com quais outras espécies de sauropodomorfos primitivos o Seitaad ruessi estava mais proximamente relacionado. Infelizmente, os resultados não foram conclusivos: a nova espécie podia tanto estar mais relacionada a algumas formas da Argentina como da Europa ou mesmo da África.

De qualquer maneira, antes da descoberta do Seitaad, os registros de dinossauros sauropodomorfos nos Estados Unidos, particularmente em Utah, eram muito escassos e incompletos, formados por sequências de vértebras caudais ou de ossos isolados, o que restringia muito as informações desse grupo.

O encontro desse novo exemplar abre a esperança de que mais esqueletos desses dinossauros sejam encontrados na região, o que ajudaria a elucidar como os sauropodomorfos primitivos evoluíram e se distribuíram em todos os continentes.

Alexander Kellner
Museu Nacional/ UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

 

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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Na quinta feira, dia 29 de abril, este colunista vai lançar um novo livro pela Editora Rocco: Mistério sob o gelo. Trata-se de um romance inspirado em uma expedição realizada em 2006-07 à ilha de James Ross, na qual uma equipe acampou por mais de 30 dias em busca de registros dos organismos que habitaram a região há milhões de anos. O lançamento será a partir das 19h na livraria da Travessa do Shopping Leblon (rua Afrânio de Melo Franco, 290/loja 205 – Rio de Janeiro). Todos estão leitores da coluna estão convidados!

 

De 7 a 12 de junho deste ano será realizado a oitava edição da Associação Europeia de Paleontologia de Vertebrados (EAVP) em Aix-en-Provence, no sul da França. O evento está sendo organizado pelo Museu de História Natural local e tem como objetivo discutir os novos achados de vertebrados fósseis, não apenas realizados pelos pesquisadores que trabalham nas instituições da Europa.

Paleontólogos acabam de relatar na Science o primeiro registro de um tiranossauro da Austrália. Liderados por Roger Benson, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), os pesquisadores encontraram um púbis em rochas jurássicas idêntico aos dos tiranossauros. O achado sugere uma distribuição cosmopolita desse grupo de répteis antes da especialização alcançada pelas formas gigantes durante o Cretáceo.

AO pesquisador chinês Junchang Lü, da Academia de Ciências Geológicas da China, em Pequim, acaba de descrever um novo pterossauro procedente das famosas camadas de Yixian,  Liaoning, China. Batizada de Zhenyuanopterus longirostris,  a espécie se caracteriza pela dentição formada por aproximadamente 172 dentes e pelo seu grande tamanho – com 4 metros de abertura alar, esta é a maior espécie do grupo Boreopteridae. O estudo foi publicado na Acta Geologica Sinica.

A equipe do pesquisador I. G. Danilov, do Instituto Zoológico da Rússia, descreveu recentemente uma nova tartaruga fóssil. Procedente de rochas do Paleoceno da região de Volgograd, a Itilochelys rasstrigin é a mais completa representante do grupo Cheloniidae já encontrada naquele país. A pesquisa foi publicada na Proceedings of the Zoological Institute of the Russian Academy of Sciences.

O 45º Congresso Brasileiro de Geologia, a ser realizado em Belém entre 26 de setembro e 1º de outubro, terá uma sessão de Paleontologia. Coordenada pelos colegas Marina Soares e Vladimir de Araújo Távora, a sessão tem por objetivo possibilitar aos pesquisadores apresentarem os avanços realizados nos últimos anos na pesquisa de fósseis, particularmente no Brasil.