Um New Deal para o mundo

Enquanto o mundo inteiro se assusta com as perspectivas de a atual crise mundial vir a ser a pior dos últimos 25 anos, cabe a pergunta: a história pode oferecer, se não respostas, ao menos indicativos para enfrentá-la? Segundo o norte-americano Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia deste ano, sim.

Retrato oficial na Casa Branca de Franklin Delano Roosevelt,  presidente responsável por implantar o New Deal.

Em entrevista concedida recentemente ao canal de TV por assinatura de informação financeira CNBC, Krugman defendeu a ampliação das políticas sociais como forma de combater a crise atual – exatamente como fez Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) nos Estados Unidos na década de 1930.

Em meio à maior crise da história do capitalismo, ele ganhou as eleições para presidente propondo um pacote de medidas para recuperar a economia baseado no princípio de que, para vencer a crise, era fundamental elevar o padrão de vida dos cidadãos. Era o famoso New Deal (“Novo Acordo”), sobre o qual tanto se fala hoje em dia, mas tão pouco se conhece no Brasil.

O New Deal começou a ser desenhado no início de 1933, em meio à profunda crise bancária que assolava os Estados Unidos de então. A crise bancária era apenas a ponta do iceberg de uma situação muito mais grave, originada na década anterior.

A Grande Depressão de 1929 foi uma crise gerada pela distância entre a capacidade de produção industrial de bens nos Estados Unidos e o poder de compra da população, que recebia, em média, salários baixíssimos. Como a produção era muito maior do que o consumo, não havia quem comprasse todas as mercadorias disponíveis no mercado. Com produtos encalhados, as fábricas tiveram que desacelerar a produção e despedir trabalhadores. Qualquer semelhança com os dias de hoje não é mera coincidência.

O curioso é que, pouquíssimo tempo antes, não havia quem não se entusiasmasse com a economia americana: automóveis eram produzidos em larga escala, novos utensílios domésticos abundavam nas propagandas das revistas femininas. Só para dar uma idéia, Calvin Coolidge (1872-1933), então presidente dos Estados Unidos, disse em dezembro de 1928 que, até então, nenhum presidente tinha se visto “diante de uma perspectiva mais agradável do que a que se apresenta no momento atual”.

Errou feio: o mercado em permanente expansão vislumbrado em dezembro de 1928 ruiu como um castelo de cartas em outubro de 1929. Em 1933, o Produto Interno Bruto (PIB) americano per capita correspondia a 56% do valor de 1929, tendo caído de U$ 700 para U$ 373, e 25% dos trabalhadores americanos estavam desempregados.

New Deal revisitado
Diante desse quadro, o que fazer? Este é o tema do livro Os inventores do New Deal, do historiador Flavio Limoncic, com publicação prevista para março de 2009 pela Civilização Brasileira.

Selo norte-americano celebra agências criadas pelo governo de Roosevelt no âmbito do New Deal. As siglas dessas agências formavam uma verdadeira “sopa de letrinhas”.

Para ele, o programa proposto por Roosevelt e seu grupo de New Dealers era ousado: partindo da convicção básica de que o Estado devia ser o protagonista do processo de recuperação econômica, eles se propuseram implementar programas emergenciais de geração de emprego e renda, promover uma nova distribuição da renda nacional e realizar medidas regulatórias capazes de dar novo fôlego à economia.

Entre elas, estão o Emergency Banking Act (EBA), que disponibilizava fundos federais para bancos privados; o Securities Act (suplementado pelo Securities Exchange Act, de 1934), que regulava o mercado de ações; e o Home Owners Refinincing Act (HORA), que regulava e auxiliava o pagamento de hipotecas. Para tentar equilibrar a capacidade de produção agrícola com o consumo, o Agricultural Adjustment Act (AAA) se propunha a elevar a remuneração do setor por meio da redução da produção (isso mesmo: os agricultores recebiam do Estado para produzir menos!).

Medidas polêmicas foram tomadas para criar novos empregos, com a criação da Civil Works Administration (CWA), para executar programas de obras públicas, e do Civilian Conservation Corps (CCC), que tinha como objetivo reflorestar áreas devastadas e reverter a erosão do solo – além de proporcionar ocupação e renda a jovens desempregados. Por si só, o CCC merece destaque pelo pioneirismo: em nove anos, foram plantadas mais de 2 bilhões de árvores nos Estados Unidos, das quais 200 milhões em solos recuperados. Sítios históricos foram restaurados e parques nacionais foram criados. Mais de 3 milhões de jovens aprenderam um ofício.

No campo das artes, a ação do Estado também foi importante. Era preciso reverter um quadro terrível, com o cancelamento de concertos e peças de teatro e a suspensão da edição de livros. Para tanto, foram criadas agências federais como o Federal Arts Project (FAP), o Federal Music Project (FMP) e o Federal Theatre Project (FTP), responsáveis pelo financiamento de projetos como pinturas murais em prédios públicos e aulas de música para mais de 18 milhões de alunos. Isso sem contar os cerca de 250 mil concertos promovidos em centros comunitários, orfanatos, prisões, hospitais e parques públicos.

Construção de uma represa, mural público realizado em 1939 pelo artista norte-americano
William Gropper (1897-1977). Essa foi uma das obras de arte encomendadas a artistas
pelo governo durante o New Deal a fim de levar a arte aos cidadãos comuns.

Todos esses projetos tinham em comum o princípio de que a arte deveria se libertar dos salões sofisticados dos grandes magnatas – os vilões da Depressão – e entrar na vida dos cidadãos comuns, dos homens esquecidos – os verdadeiros realizadores do sonho americano, segundo Roosevelt.

Sopa de letrinhas
Tantos resultados positivos não foram suficientes para conter as críticas de republicanos e democratas preocupados com a expansão do Estado e com o déficit fiscal.

Segundo Limoncic, “eram tantas as leis, tantas as novas agências governamentais por elas criadas, e tantas as siglas, que a oposição ao governo chamaria o New Deal, de modo a denunciar seu impulso regulatório e a expansão das capacidades administrativas do Estado, de sopa de letras.” Em pouco tempo, vários desses programas tiveram seus orçamentos limitados ou suspensos.

A capa da revista Time de 13 de novembro mostra uma montagem do presidente eleito Barack Obama caracterizado como Roosevelt. Espera-se de Obama que promova um novo New Deal para conter a crise econômica (reprodução).

Mas a interrupção de programas sociais não foi suficiente para frustrar as principais medidas tomadas por Roosevelt para redistribuir a renda e a riqueza nacionais. Com o apoio de empresas como a General Electric, a IBM e a Standard Oil e da central sindical Congress of Industrial Organizations (CIO), o New Deal fomentou um novo pacto entre o capital e o trabalho nos Estados Unidos tendo como um dos instrumentos a National Labor Relations Act (NLRA).

Basicamente, o Estado assumia papel importante na regulação dos mercados, as grandes corporações repassavam aos salários ganhos de produtividade e os sindicatos deixaram de atacar o capitalismo, ingressando, para nunca mais sair, no mundo do consumo.

Nunca mais sair? Essa é justamente a questão que se coloca hoje. Chamando a atenção para o índice de desemprego americano, que pode chegar a 10% nos próximos meses, Paul Krugman aconselhou o presidente eleito Barack Obama a “colocar dinheiro na economia” e a implantar programas de geração de renda e emprego à moda do New Deal. Ainda que isso signifique o aumento da dívida nacional.

Em tempo: na década de 1930, vários países, entre eles o Brasil de Getúlio Vargas, reforçaram o papel do Estado na regulação da economia nacional. As recentes intervenções do governo americano no setor financeiro levam a crer que o Estado americano voltará a ter um papel importante na regulação da economia. Resta saber se os mercados globais resistem à crise sem uma ação internacional coletiva. 


Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
14/11/2008