Um novo olhar sobre a obesidade

Se você tem tendência a acumular peso, possivelmente já tentou se livrar dos excessos de suas medidas por meio de alguma dieta. E, provavelmente, assim como acontece com a maioria das pessoas, os seus esforços proporcionaram resultados passageiros e, após algum tempo, o seu peso anterior retornou, às vezes até com alguns quilinhos a mais.

Mas por que isso ocorre? E por que algumas pessoas têm dificuldades enormes para alcançar e manter um peso normal, enquanto alguns felizardos podem comer despreocupadamente, sem ganharem um único grama em suas medidas? As respostas a essas dúvidas, infelizmente, ainda não são conclusivas.

A obesidade tornou-se uma tragédia planetária moderna que consome a saúde de centenas de milhões de pessoas

A obesidade tornou-se uma tragédia planetária moderna que consome a saúde de centenas de milhões de pessoas devido a sua associação com problemas circulatórios, diabetes do tipo 2, osteoartrite etc. Por isso, há um enorme interesse da ciência em compreender os fatores associados à obesidade.

Não há dúvidas de que a obesidade se deve ao descontrole entre a quantidade do que é ingerido pelo indivíduo e do que é gasto em seu metabolismo. Mas ainda há controvérsias sobre quais fatores predispõem alguns indivíduos à obesidade enquanto poupam outros.

Historicamente, a maior parte dos estudiosos sobre esse tema tem se dedicado a associar a obesidade com o estilo de vida, com alterações hormonais ou com uma predisposição genética. Contudo, evidências epidemiológicas sugerem que o constante aumento na obesidade mundial não está associado somente a esses fatores tradicionalmente estudados.

Uma reviravolta sobre as causas e eventos associados ao excesso de peso iniciou-se há cerca de seis anos, quando pesquisadores liderados por Jeffrey Gordon, da Escola de Medicina da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, começaram a associar o problema à composição da flora intestinal dos indivíduos. Em 2006, o grupo publicou um estudo em que observava que ratos obesos apresentavam uma flora intestinal diferenciada em comparação com animais de peso normal.

Rato obeso e rato normal
Segundo pesquisa estadunidense, a flora intestinal de ratos obesos (à esquerda) é diferente da de ratos com peso normal (à direita). (foto: Lexicon Genetics Incorporated)

A equipe de Gordon ainda aprofundou suas conclusões: manipulando a composição da microbiota intestinal de ratos, esses pesquisadores foram capazes de fazer com que animais magros ganhassem peso e se tornassem obesos.

Nós e os microrganismos

A invasão e a disseminação dos microrganismos em nosso trato intestinal ocorrem somente após o nascimento, pois, durante o desenvolvimento embrionário, o feto habita um ambiente isento de germes.

Como os nossos primeiros contatos com o mundo se dão através do parto e, posteriormente, via amamentação, há uma grande semelhança entre a flora intestinal infantil e a materna. Talvez venha daí a observação comumente feita de que mães gordas têm filhos obesos.

Estimativas indicam que há um número praticamente inimaginável de microrganismos, principalmente bactérias e leveduras, habitando nossos intestinos. Embora o trato intestinal superior seja pouco ocupado por germes, devido às suas condições inóspitas (acidez, forças propulsivas elevadas), o intestino grosso apresenta uma densidade microbiana muito elevada, abrigando cerca de 100 trilhões de microrganismos de até mil espécies diferentes.

Temos que compreender que nem sempre – e nem todos – os microrganismos são maléficos para o nosso organismo. Apesar de nossa constante luta contra esses seres diminutos, eles são parte integrante e indissociável de nossas vidas.

Grande parte desses microrganismos são comensais, ou seja, consomem parte do alimento ingerido pelo organismo humano sem prejudicá-lo. Mas há também espécies patogênicas, cuja proliferação é normalmente mantida sob controle pela ação de microrganismos benéficos. Contudo, se houver alguma alteração fisiológica ou ambiental, os microrganismos patogênicos podem se multiplicar rapidamente e causar enfermidades.

Indivíduos propensos à obesidade teriam uma flora intestinal que lhespermite extrair de forma mais eficiente nutrientes e calorias dos alimentos

Apesar de ser frequentemente associada a doenças, a microbiota intestinal nos beneficia produzindo vitaminas K e do complexo B e auxiliando na captação de nutrientes e de calorias em polissacarídeos não digeríveis pelo organismo humano. Estimativas indicam que diariamente essa captação energética microbiana pode ser superior a 100 quilocalorias, o equivalente a cerca de 5% a 10% das calorias diárias necessárias para manutenção de um indivíduo de 70 quilos.

Com base nas descobertas da equipe de Gordon, os indivíduos propensos à obesidade teriam uma flora intestinal que lhes permite extrair de forma mais eficiente os nutrientes e as calorias presentes nos alimentos em comparação com pessoas mais magras.

Se essa hipótese for verdadeira, o problema da obesidade não estaria em uma menor capacidade metabólica dos indivíduos para consumir os nutrientes e calorias ingeridos, e sim em uma maior habilidade de captação e estocagem desses recursos alimentares do que os indivíduos não obesos.

Lactobacillus
A equipe de Jeffrey Gordon, da Universidade de Washington (EUA), contatou que a flora intestinal de ratos obesos tem maior abundância de firmicutes, filo que reúne mais de 250 gêneros de bactérias, entre eles, os ‘Lactobacillus’. (foto: Shoko Muraguchi – CC BY-NC-ND 2.0)

Portanto, há algum sentido quando os gordinhos dizem que engordam após terem consumido apenas uma única ervilha, enquanto outras pessoas podem comer uma plantação inteira sem nada sofrerem.

Essas descobertas estadunidenses têm despertado interesse em diversos outros grupos de pesquisa. Os cientistas têm ampliado e aprofundado a relação entre a obesidade e a composição da flora intestinal e indicado que pessoas mais magras possuem, em média, uma flora intestinal mais rica que a de obesos.

Um desses estudos, conduzido por 54 cientistas europeus liderados por Jun Wang, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, analisou a composição da microbiota intestinal de quase duas centenas de indivíduos e mostrou que os obesos tinham em seus intestinos comunidades bacterianas 30% a 40% mais pobres que as dos magros.

Microbiota intestinal, antibióticos e obesidade

Apesar da enorme diversidade de microrganismos que habita a nossa flora intestinal, a relação entre as várias espécies e a obesidade segue uma lógica simples: há indícios de que a presença ou ausência de apenas seis espécies de bactérias na microbiota podem explicar cerca de 80% dos casos de obesidade humana.

A presença ou ausência de apenas seis espécies de bactérias namicrobiota podem explicar cerca de 80% dos casos de obesidade humana

Do ponto de vista genético, análises também indicam que um número reduzido de genes pode estar associado à obesidade. Se essas pesquisas estiverem corretas, abre-se a possibilidade no futuro de um diagnóstico relativamente fácil e seguro dos fatores predisponentes à obesidade, bem como do tratamento de indivíduos com excesso de peso.

Todas essas descobertas, se forem efetivamente comprovadas, poderão ter implicações enormes, que irão além do controle da epidemia mundial de obesidade. Os resultados poderão, por exemplo, ter efeitos sobre o uso – muitas vezes desregrado – de antibióticos.

Nos últimos anos, têm se acumulado evidências que sugerem que os antibióticos orais podem empobrecer e afetar o desenvolvimento e o delicado equilíbrio da flora intestinal, ao atingir uma série de grupos de microrganismos importantes para a fisiologia digestiva. Por exemplo, o aumento da diversidade intestinal de bactérias pertencentes aos grupos Bacteroides e Ruminococcus, eficientes na digestão de carboidratos, poderia facilitar o ganho de peso de indivíduos que utilizam antibióticos.

Outras linhas de pesquisa têm se dedicado a analisar o papel dos probióticos, alimentos que têm em sua composição microrganismos vivos (principalmente Lactobacillus, Enterococcus e Bifidobacterium) capazes de beneficiar a saúde. Há indícios de que os probióticos, amplamente utilizados na dieta humana e de animais, podem contribuir para um melhor balanço na composição da microbiota intestinal, facilitando a absorção de nutrientes e vitaminas e, assim, proporcionando ganho de peso.

Se comprovados, esses indícios podem talvez nos fornecer uma explicação alternativa para o fato de produtores rurais e piscicultores administrarem grandes quantidades de antibióticos e probióticos aos animais em desenvolvimento. Essa prática, inicialmente associada à redução de infecções microbianas, pode ser efetiva por causar alterações na microbiota animal e, assim, contribuir para o ganho de peso das criações – e, consequentemente, o lucro dos criadores.

Jerry Carvalho Borges
Departamento de Medicina Veterinária
Universidade Federal de Lavras

Sugestões para leitura

Bäckhed, F.; Ley, R. E.; Sonnenburg, J. L.; Peterson, D. A.; Gordon,J. I. Host-bacterial mutualism in the human intestine. Science 307:1915-1920 (2005).

Bäckhed, F.; Ding, H.; Wang, T.; Hooper, L. V.; Koh, G. Y.; Nagy, A.;Semenkovich, C. F.; Gordon, J. I. The gut microbiota as anenvironmental factor that regulates fat storage. Proc. Natl. Acad. Sci.USA 101: 15718-15723 (2004).

Gill,S. R.; Pop, M.; DeBoy, R. T.; Eckburg, P. B.; Turnbaugh, P.; Samuel, B. S.;Gordon, J. I.; Relman, D. A.; Fraser, C. M.; Nelson, K. E.Metagenomic analysis of the human gut microbiome. Science 312: 1355-1359 (2006).

Hooper, L.; Wong, M.; Thelin, A.; Hansson, L.; Falk, P.; Gordon, J. I. Molecular analysis of commensal host-microbial relationships in the intestine. Science 291: 881-884 (2001).

Ley, R. E.; Turnbaugh, P. J.; Klein, S.; Gordon, J. I. Human gut microbes linked to obesity. Nature 444: 1022-1023 (2006).

Ley, R. E.; Backhed, F.; Turnbaugh, P.; Lozupone, C. A.; Knight, R. D.; Gordon, J. I. Obesity alters gut microbial ecology. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, 102: 11070-11075 (2005).

Turnbaugh,P. J.; Ley, R. E.; Mahowald, M.; Magrini, V.; Mardis, E. R.; Gordon,J. I. An obesity-associated gut microbiome with increased capacity forenergy harvest. Nature 444: 1027–1031 (2006).

Xu, J.;Mahowald, M. A.; Ley, R. E.; Lozupone, C. A.; Hamady, M.; Martens, E. C.;Henrissat, B.; Coutinho, P. M.; Minx, P.; Latreille, P.; Cordum, H.; VanBrunt, A.; Kim, K.; Fulton, R. S.; Fulton, L. A.; Clifton, S. W.; Wilson,R.K.; Knight, R.D.; Gordon, J. I. Evolution of symbiotic bacteria in the distal human intestine. PLoS Biol. 5: e156 (2007).