No último dia 14 de março, comemoramos o 135º aniversário de Albert Einstein (1879-1955), um dos maiores cientistas de todos os tempos. Eleito pela revista Times como o homem do século 20, suas contribuições para a ciência revolucionaram nossa visão sobre a natureza da luz, do tempo, do espaço, da gravidade, da matéria e da energia, entre outras contribuições fundamentais.
Falar sobre as teorias de Einstein pode até ser um assunto recorrente; diversas vezes as abordamos nesta coluna. Contudo, no dia 17 de março passado, talvez por um capricho do destino ou algo talvez pensado, Einstein ganhou um presente especial. Um grupo de pesquisadores do radiotelescópio BICEP2, situado no polo Sul, obteve pela primeira vez evidências de ondas gravitacionais produzidas pelo evento do Big Bang, que seria responsável pela criação do nosso universo. Essas ondas gravitacionais estariam associadas à rápida expansão do universo em seus instantes iniciais.
As ondas gravitacionais são ondulações no espaço e tempo previstas pela Teoria da Relatividade Geral (TRG). Nessa teoria, de 1915, Einstein propôs uma nova teoria da gravitação, de modo a generalizar a chamada Teoria da Relatividade Especial (TRE), proposta por ele mesmo em 1905.
A TRE baseia-se em dois princípios fundamentais: i) as leis físicas são as mesmas em todos os referenciais iniciais, isto é, referenciais que estão em repouso ou em movimento uniforme (sem aceleração) entre si; ii) a luz se propaga no espaço vazio com uma velocidade definida, que independe da condição de movimento do corpo emissor. Tais princípios levaram a mudanças radicais na forma de se entender a natureza do espaço e do tempo.
Na mecânica clássica, tanto o espaço como o tempo são absolutos, mas na TRE eles se tornaram relativos, uma vez que há uma velocidade absoluta e limite para todos os fenômenos. Na concepção aceita na época, o espaço e o tempo são como o palco de um espetáculo, que não se altera com a dinâmica da estória.
Para Einstein, eles se transformaram em protagonistas importantes, que se modificam de acordo com a situação. Dessa forma, tanto o tempo como o espaço são relativos ao observador. Quanto mais próximo da velocidade da luz ele se move, mais devagar o tempo passa, e o comprimento do objeto se comprime na direção do movimento (mais detalhes na coluna ‘Cada vez mais rápido, sem espaço e tempo’).
Aceleração e gravidade
Mas, como o próprio Einstein percebeu, essa teoria só poderia ser aplicada a referenciais inerciais e não a referenciais em movimento acelerado. Mas o que aceleração tem a ver com gravidade?
Quando viajamos de pé em um ônibus e este faz uma curva fechada para a direita, sentimos uma ‘força’ que nos impulsiona para a esquerda, a força centrífuga. Contudo, uma pessoa que estivesse na calçada descreveria a situação de modo diferente. Para ela, o ônibus mudou sua trajetória e você continuou a se movimentar em linha reta, como prevê a lei da inércia. Para esse observador, nenhuma força atua sobre você; apenas a ação da tendência de todos os corpos manterem seu estado de movimento. Quem está correto?
Segundo a TRG, ambas as descrições estão corretas (para mais detalhes, veja a coluna ‘O enigma do movimento’). De fato, para a pessoa que está no ônibus, qual é a natureza da força que age sobre ela? Uma força que atua diretamente na matéria, ou seja, como se fosse uma força gravitacional. A partir disso, Einstein começou a relacionar a origem da inércia com a própria natureza da gravidade.
Ao formular a TRG, Einstein propôs que o campo gravitacional é criado a partir da ‘curvatura do espaço e do tempo’ provocada pela presença da massa e da energia. Para compreender isso, imaginemos que o espaço fosse algo parecido com uma tolha esticada, apoiada pelas pontas. Se não há nada sobre a toalha, ela permanecerá esticada e plana.
Mas, se colocarmos um objeto sobre ela, como uma bola de boliche (que fará o papel de uma estrela), ela afundará e curvará a toalha. Agora, se lançarmos uma bola de gude com determinada velocidade e direção, ela descreverá sobre a toalha uma trajetória quase circular ao redor da depressão provocada pela bola de boliche, de modo similar ao que um planeta realiza ao redor de uma estrela. Após algum tempo, a bola de gude começa a perder velocidade, devido ao atrito com a toalha, e cairá na direção do centro. No caso dos planetas, como eles viajam no espaço vazio, não há atrito e, portanto, não perdem velocidade.
Contudo, a TRG prevê que os movimentos orbitais perdem energia por meio de ondas gravitacionais. Mas como a gravidade é a mais fraca das forças fundamentais (quando comparada com a força elétrica, é um fator 1040 vezes mais fraca), o efeito é imperceptível. Observou-se, no entanto, em duplas de pulsares (estrelas de nêutrons de massa elevada), um decaimento orbital que estaria associado a essa missão de ondas gravitacionais. Por essa descoberta, os americanos Russell A. Hulse e Joseph H. Taylor, Jr. ganharam o Nobel de Física em 1993.
Universo inflacionário
A descoberta feita pelo grupo de pesquisadores do radiotelescópio BICEP2 vai além da observação dos efeitos das ondas gravitacionais. De fato eles observaram que a radiação de fundo cósmico, uma espécie de ‘cinzas’ do Big Bang (radiação remanescente quando o universo tinha por volta de 380 mil anos), demonstra que, após esse evento, o universo apresentou enorme expansão, como previsto pelo físico americano Allan Guth.
O modelo conhecido como ‘universo inflacionário’, proposto por esse pesquisador, supõe que o universo teve uma expansão extraordinária em um intervalo de tempo de um trilionésimo de segundo. Nessa ínfima fração de tempo, ele cresceu do tamanho de uma partícula subatômica para o tamanho de algumas dezenas de centímetros.
Para detectar o fenômeno, observou-se que a radiação de fundo cósmico apresentava flutuações conforme os efeitos que se esperava que as ondas gravitacionais produzissem. De fato, essa radiação está presente em todos os lugares. Por exemplo, quando tentamos sintonizar um aparelho de televisão em um canal sem sinal, alguns chuviscos que aparecem na tela decorrem dessa radiação, cujo comprimento é da ordem de micro-ondas.
A inflação cósmica é uma peça importante para se entender por que o universo se estabeleceu da maneira que observamos. O resultado do experimento do BICEP2 necessita ser confirmado por outros experimentos, como os desenvolvidos pelo satélite Planck, especialmente lançado ao espaço para detectar essas flutuações esperadas na radiação de fundo cósmico. Os resultados atuais são promissores, mas, como toda descoberta científica importante, requerem confirmação.
A importância da descoberta recém-apresentada é que, além de se ter conseguido detectar pela primeira vez a inflação cósmica, tem-se também a mais forte evidência de que o Big Bang, evento contestado por outras teorias, teria de fato acontecido. A ocorrência da inflação cósmica, um evento em escala muito pequena, que está no reino da física quântica, mostra que há interações quânticas na força gravitacional.
Se Einstein estivesse vivo, acho que ele daria um leve sorriso, sabendo que mais uma vez sua maior criação, a Teoria da Relatividade Geral, continua sendo um sólido pilar da física atual e ajuda a entender uma das maiores perguntas da humanidade: afinal, como foi que tudo começou?
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos