Uma descoberta que mudou o mundo

Se alguém lhe pedir para citar as dez ou mesmo as cem descobertas científicas mais importantes do século 20, você provavelmente não se lembrará do processo de síntese da amônia. Essa descoberta, contudo, é de enorme importância e foi determinante para configurar a situação econômica e ambiental existente atualmente em nosso planeta. 

Embora o nitrogênio seja um componente majoritário da atmosfera terrestre – responde por cerca de 78% de sua composição –, ele está presente apenas na forma gasosa (N 2 ), incapaz de ser aproveitada diretamente pela imensa maioria dos seres vivos. Por isso, estes se tornam dependentes da atividade de organismos como algumas espécies de bactérias capazes de captar o N 2 atmosférico e fixá-lo em compostos químicos utilizáveis pelos seres vivos. 

Dentre esses compostos, destaca-se a amônia, formada por um átomo de nitrogênio e três de hidrogênio. Essa molécula pode ser transformada em nitritos e nitratos, essenciais para a produção tanto dos fertilizantes nitrogenados quanto de explosivos e armamentos. 

Há cem anos, em 13 de outubro de 1908, o químico alemão Fritz Haber (1868-1934) deu um grande passo para solucionar o problema da fixação do N 2 atmosférico em amônia sem precisar da ação de outros organismos. Em grandes linhas, Haber criou uma forma de reagir o N 2 com hidrogênio na presença de ferro em temperaturas e pressões elevadas.

A reação de síntese da amônia foi desenvolvida pelos alemães Fritz Haber (esq.) e Carl Bosch (dir.), Nobel de Química de 1918 e 1931 (fotos: Fundação Nobel).

O alemão acreditava que o processo por ele desenvolvido poderia trazer uma importante contribuição para o desenvolvimento agrícola do planeta, substituindo a necessidade de utilização de nitrogênio reativo retirado a partir de reservas naturais, como o guano peruano, o salitre chileno e o sal amoníaco extraído do carvão. Ele esperava ainda que esse método pudesse ser empregado com fins militares, de forma a garantir a segurança de seu país. 

Posteriormente, outro químico alemão, chamado Carl Bosch (1874-1940), continuou o trabalho de Haber e conseguiu implementar o uso da síntese de amônia em escala industrial. Por esses feitos, Haber recebeu o Nobel de Química em 1918, e Bosch, em 1931. A forma como essa reação marcou a história do século 20 foi tema de um artigo publicado esta semana na revista Nature Geosciencepelo grupo de Jan Willem Erisman, do Centro de Pesquisa Energética da Holanda. 

Explosivos e alimentos 
O processo desenvolvido por Haber-Bosch forneceu à Alemanha um grande suprimento de amônia suficiente para que o país se tornasse independente de seus fornecedores habituais. Com isso, esse composto e seus derivados, como o ácido nítrico, poderiam ser empregados para produzir explosivos como a nitroglicerina e o trinitrotolueno (TNT). 

Acredita-se que isso tenha impedido uma vitória mais rápida das Forças Aliadas na Primeira Guerra Mundial, ampliando os efeitos devastadores desse conflito. Estimativas indicam que entre 100-150 milhões de mortes em conflitos armados durante o século passado possam estar diretamente relacionadas com uso do processo desenvolvido por Haber-Bosch.

Ataque francês à infantaria alemã na região de Champagne em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial. Estima-se que a descoberta da síntese da amônia tenha retardado a derrota das forças alemãs nesse conflito (foto: arquivo NARA/EUA).

Por outro lado, a síntese de amônia desenvolvida por Haber-Bosch proporcionou a produção em escala mundial de fertilizantes nitrogenados, aumentando a produtividade da agricultura em grande parte do planeta. Atribui-se à síntese da amônia um aumento de 30 a 50% da produção agrícola. Com isso, os fertilizantes nitrogenados garantiram a sobrevivência de mais de um quarto da população mundial durante o século 20. 

A importância desses fertilizantes nitrogenados tem se ampliado nos últimos anos. Estima-se que, atualmente, cerca de metade da humanidade tenha a sua subsistência alimentar associada com o processo de fixação de nitrogênio desenvolvido por Haber- Bosch. 

Impacto ambiental 
Os benefícios dessa reação, no entanto, têm como contrapartida uma série de efeitos nocivos ao meio ambiente. Em 2005 cerca de 100 milhões de toneladas de nitrogênio foram utilizadas globalmente na agricultura, mas apenas 17% desse volume foram consumidos pela humanidade na forma de alimentos, incluindo carne e laticínios. Essa eficiência extremamente baixa do uso de nitrogênio na agricultura representa um importante fator de risco para o meio ambiente. 

Cerca de 40% do nitrogênio usado em fertilizantes e desperdiçado por práticas agrícolas incorretas retorna à sua forma atmosférica não reativa. Apesar disso, a maior parte desse elemento químico acaba por contaminar os ambientes terrestres e aquáticos e a atmosfera, o que contribui para diminuir a biodiversidade. O nitrogênio perdido altera ainda o balanço dos gases do efeito-estufa, influencia o ozônio atmosférico, acidifica o solo e estimula a formação de material particulado na atmosfera. 

Esses impactos ambientais podem e devem ser minimizados com intervenções para aumentar a eficiência do uso de fertilizantes e para aumentar sua conversão ao N 2 atmosférico. Além disso, devem ser desenvolvidos métodos que permitam um tratamento mais eficiente dos resíduos nitrogenados produzidos pelos seres humanos e animais por eles criados. 

O futuro dos fertilizantes 

Graças à síntese da amônia, o advento dos fertilizantes nitrogenados levou a um aumento de 30 a 50% da produção agrícola, o que garantiu a sobrevivência de 27% da população mundial durante o século 20 (foto:Victor Szalvay). 

Projeções realizadas pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) indicam que o uso de fertilizantes nitrogenados aumentará de duas a três vezes até a segunda metade deste século. Esse acréscimo do consumo está associado com o aumento da população global que, estima-se, chegará a 15 bilhões de pessoas em 2100. 

Por outro lado, avaliações otimistas apontam um aumento da produtividade agrícola por hectare, o que minimizaria a necessidade de aumento proporcional da área agrícola. Além disso, o desenvolvimento da eficiência do uso de fertilizantes pode contribuir para diminuir os riscos ambientais associados com uso desmedido desses compostos. 

Deve ser ressaltado, contudo, que as projeções da FAO em relação a uma distribuição mais equitativa dos alimentos em nosso planeta são bem mais pessimistas e acredita-se que o total de 850 milhões de indivíduos subnutridos será ampliado nas próximas décadas. 

Apesar de criado há um século, o processo de fixação de nitrogênio por Haber-Bosch ainda não foi capaz de estender seus benefícios a uma parte significativa da humanidade, que permanece faminta e distante das condições mínimas para seu desenvolvimento. Contudo, os impactos ambientais negativos desse procedimento há algum tempo se distribuem de forma igualitária para todos os habitantes do planeta.  

Jerry Carvalho Borges 
Universidade do Estado de Minas Gerais 
Denise Aparecida Hipólito 
Graduanda do Curso de Engenharia Ambiental 
Universidade do Estado de Minas Gerais – campus de Passos 
03/10/2008

SUGESTÕES PARA LEITURA 
Anderson, N., Strader,R., Davidson, C. (2003). Airborne reduced nitrogen: ammonia emissions from agriculture and other sources. Environ. Int. 29, 277-286. 
Erisman, J.W. et al. (2007). Reduced nitrogen in ecology and the environment.Environ. Pollut. 150, 140-149. 
Erisman, J.W. et al. (2008). How a century of ammonia synthesis changed the world. Nature Geoscience. 1, 636-639. 
Goulding, K., Jarvis, S., Whitmore, A. (2008). Optimizing nutrient management for farm systems. Philos. Trans. R. Soc. Lond B Biol. Sci. 363, 667-680. 
Rotz, C.A. (2004). Management to reduce nitrogen losses in animal production. J. Anim Sci. 82 E-Suppl, E119-E137. 
Shah, S.B., Westerman, P.W., e Arogo, J. (2006). Measuring ammonia concentrations and emissions from agricultural land and liquid surfaces: a review.J. Air Waste Manag. Assoc. 56, 945-960. 
Smil, V. (2002). Nitrogen and food production: proteins for human diets. Ambio. 31, 126-131.