Uma força sempre presente

Estava trabalhando em minha mesa escrevendo a coluna deste mês quando, por descuido, dei um esbarrão em uma xícara de café que estava sobre ela. O café imediatamente se espalhou e, como a mesa tinha uma leve inclinação, rapidamente o vi pingar no tapete. Ainda de maneira estabanada, novamente bati na xícara e ela caiu com força no chão, partindo-se em muitos pedaços. Em apenas alguns segundos, uma força invisível – com a minha ajuda, é claro – foi capaz de fazer uma pequena confusão.

Aprendemos desde cedo o nome dessa força, tão presente em nosso cotidiano: gravidade. Ela é capaz de atrair todas as coisas em direção ao chão, fazer com que a Lua gire em torno da Terra e o nosso planeta (e os demais do Sistema Solar) descreva uma trajetória ao redor do Sol. Da mesma forma, essa força faz com que o nosso Sistema Solar realize uma viagem ao redor da Via Láctea que chega a durar 250 milhões de anos. A nossa galáxia também se move no universo, dominada por essa interação tão presente entre nós.

A gravidade é capaz de atrair todas as coisas em direção ao chão, fazer com que a Lua gire em torno da Terra e o nosso planeta (e os demais do Sistema Solar) descreva uma trajetória ao redor do Sol

Para entender essa ‘misteriosa atração’, foi necessário uma longa caminhada. Por suas características especiais, a gravidade fascina pensadores e cientistas desde a Grécia Antiga, com o conceito de lugar natural, passando pela Lei da Gravitação Universal de Isaac Newton e pelo advento da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, até as atuais propostas de gravidade quântica.

A primeira dessas características é o fato de que a gravidade atua sobre tudo que existe, o que lhe confere um caráter universal. Embora a primeira abordagem feita por Newton tenha proposto que a força gravitacional atuava apenas entre corpos com massa, observa-se em inúmeros experimentos que a gravidade também desvia a trajetória de um raio de luz, que não possui massa.

Esse conceito, o da gravidade universal, teve origem quando Newton associou a queda dos objetos ao movimento da Lua e dos planetas. Newton percebeu que a Lua estava sempre ‘caindo’ em direção à Terra, assim como quando soltamos um objeto. Ele associou o movimento da Lua ao fato de que, quando disparamos uma bala de canhão, ela faz uma trajetória parabólica sobre a superfície da Terra. Quanto mais potente for o canhão, maior distância a bala vai alcançar. Se considerarmos que a superfície da Terra é curva, à medida que a bala vai caindo, a própria superfície se afasta dela. Dessa forma, se a bala for lançada para muito longe, ela nunca atingirá a superfície, como mostra o próprio desenho feito por Newton (abaixo) no seu livro Principia.

Desenho feito por Newton
Desenho feito por Isaac Newton no seu livro ‘Principia’ ao associar a queda de objetos com o movimento da Lua e dos planetas.

Essa relação entre a queda dos objetos e o movimento dos corpos celestes foi uma extraordinária contribuição para a compreensão da natureza. Foi talvez a primeira vez que se atribuía a mesma causa para fenômenos terrestres e celestes. Contudo, a belíssima teoria de Newton não explicava o porquê de a gravidade atrair todos os corpos.

A contribuição de Einstein

Foram necessários 250 anos da proposta de Newton para que se desse mais um passo rumo à compreensão da gravidade, feito realizado por outro gigante da física: Albert Einstein.

Em 1905, Einstein tinha apresentado a Teoria da Relatividade Especial, em que reformulou os conceitos de espaço, tempo e relatividade dos movimentos. Nessa teoria, ele propôs que as leis da física seriam as mesmas para todos os observadores inerciais, ou seja, observadores que estão em repouso ou em movimento uniforme, sem aceleração. Além disso, ele postulou que a velocidade da luz no vácuo seria a mesma para todos os observadores. A consequência dessas ideias é que, quando estamos nos movimentando em velocidades próximas à da luz, o tempo passa mais devagar e as distâncias encolhem em relação a outros observadores que estiverem em repouso.

Contudo, esse resultado era limitado a observadores que não estivessem acelerados, e isso incomodava Einstein, pois, afinal, praticamente todos os movimentos que observamos são acelerados.

Os astronautas na Estação Espacial Internacional aparecem flutuando porque de fato a estação, da mesma forma que a Lua, está ‘caindo’ em nossa direção

Em 1907, Einstein deu um passo muito importante para ampliar esse conceito, ao propor o que ficou conhecido como princípio da equivalência, que, como o próprio nome indica, estabelece a equivalência física não somente dos observadores inerciais, mas de todos os observadores. Ele determinou essa equivalência ao perceber ser fisicamente impossível distinguir, do ponto de vista de um observador não inercial, se ele está em movimento acelerado ou sob a ação da força gravitacional.

Einstein exemplificou essa ideia mostrando que uma pessoa em queda livre, por exemplo, saltando do alto de um prédio, não sentiria o seu próprio peso. Da mesma maneira, os astronautas na Estação Espacial Internacional aparecem flutuando porque de fato a estação, da mesma forma que a Lua, está ‘caindo’ em nossa direção.

Esse princípio também mostra que qualquer movimento acelerado é indistinguível de um campo gravitacional. Se uma pessoa subir em uma balança dentro de uma nave espacial que está viajando no espaço, longe de qualquer ação da gravidade e com uma aceleração constante de 9,8 m/s2 (que é o valor da aceleração da gravidade na superfície da Terra), observará que terá o mesmo peso que teria se estivesse sobre a superfície do nosso planeta.

Nova teoria da gravitação

O princípio da equivalência aplicado aos conceitos estabelecidos na Teoria da Relatividade Especial levou Einstein a concluir que a massa de um corpo curva o espaço-tempo ao seu redor. Ele mostrou que a ação de um campo gravitacional surgia devido a essa curvatura no espaço-tempo, o que levou à formulação de uma nova teoria da gravitação, a Teoria da Relatividade Geral, apresentada por ele pela primeira vez em 1915, há 100 anos.

Curvatura espaço-tempo
Ao formular a Teoria da Relatividade Geral, Einstein mostrou que a massa de um corpo curva o espaço-tempo ao seu redor, fazendo surgir a ação de um campo gravitacional. (imagem: Rossi Pena/ Wikimedia Commons – CC BY-SA 3.0)

Uma das previsões dessa teoria foi que, se um raio de luz passar próximo a uma estrela, ou a qualquer outro objeto massivo, tem sua trajetória desviada de uma linha reta, pois o seu caminho no espaço será curvo.

Outro resultado importante que Einstein obteve foi que o tempo passaria mais devagar próximo a campos gravitacionais. De fato, esse efeito, embora mínimo para nós, é suficiente para afetar os relógios atômicos dos satélites do sistema GPS (Global Position System – sistema de posicionamento global), atrasando-os alguns nanossegundos para cada órbita que o satélite completa ao redor da Terra, mas o suficiente para provocar erros da ordem de alguns quilômetros nas posições dos objetos, se não fossem considerados os efeitos previstos pela teoria de Einstein.

A Teoria da Relatividade Geral foi testada em muitas ocasiões e seus resultados foram amplamente confirmados pelas experiências. Com ela, foi possível resolver questões que não eram explicadas pela teoria newtoniana, como o movimento do periélio (ponto da órbita de um planeta mais próximo do Sol) de Mercúrio, que muda de lugar com o passar do tempo.

Uma das grandes previsões da Teoria da Relatividade Geral foi a expansão do universo. Einstein havia obtido esse resultado, mas, como não havia evidências observacionais naquela época, ele acabou por introduzir na teoria uma constante adicional que ficou conhecida como ‘constante cosmológica’ e que agia como uma força repulsora, fazendo com que a estrutura do universo se mantivesse estática. Contudo, alguns anos depois, o astrônomo Edwin Hubble observou o afastamento das galáxias, demonstrando que o universo estava em expansão. Posteriormente, Einstein reconheceu que esse foi o maior erro da sua carreira.

Uma das grandes previsões da Teoria da Relatividade Geral foi a expansão do universo

Nos anos 1990, com a observação de galáxias distantes, verificou-se a partir das explosões de supernovas (estrelas que, no seu estágio final de evolução, emitem tanta luz que podem brilhar mais do que centenas de bilhões de estrelas) que essas galáxias estavam se afastando de uma forma acelerada, ou seja, que a expansão do universo acontecia como se uma força repulsora acelerasse o seu movimento. Talvez a proposta inicial de Einstein estivesse correta, mas ainda não se tem uma explicação definitiva para esse fato observacional.

Além disso, curiosamente quase 96% da massa total do universo são compostos pelas chamadas matéria e energia escuras, que não podem ser observadas diretamente, mas interagem gravitacionalmente com o movimento das galáxias. Há muitas hipóteses para explicá-las, mas ainda não existe nenhuma definitiva.

Há também a busca por uma teoria da gravidade quântica, que poderia unificar a descrição das interações fundamentais da natureza (eletromagnética, nuclear forte, nuclear fraca e gravidade) em uma única manifestação. Esse é um programa de pesquisa que dura mais de meio século, mas ainda não obteve sucesso, mesmo com as alternativas propostas por teorias de supercordas ou loops gravitacionais. Mas esse seria assunto para outra coluna.

Minha intenção aqui é mostrar que a gravidade, tão presente e tão atuante em nossas vidas e em todo o universo, é capaz de interferir tanto em pequenas quanto em grandes coisas, seja atraindo uma xícara para o chão, seja fazendo com que o universo se expanda. A ação da gravidade é universal e poder compreendê-la, pelo menos parcialmente, mostra a grande capacidade humana de entender a natureza.

Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos