Uma potência da paleontologia

Em um conjunto de pequenas construções e um prédio de sete andares localizado perto do Jardim Zoológico de Pequim, encontra-se uma das instituições científicas mais poderosas da China: o Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia (IVPP). Para se ter uma idéia, os pesquisadores dessa instituição são responsáveis por cerca de 60 a 70% de toda a produção científica na área de paleontologia de vertebrados da China.

E não se trata apenas de quantidade. A título de exemplo, desde 2000 saíram dali cerca de uma dezena de artigos publicados na Nature e na Science , as mais importantes revistas científicas do mundo. Esse número é comparável ao de tradicionais instituições dos Estados Unidos no mesmo período e bem superior ao obtido pela paleontologia do Brasil em toda a sua história.

Como os colegas chineses do IVPP chegaram a essa posição é, de certa forma, surpreendente. A China tem um passado importante na paleontologia, mas devido à barreira da língua e a outros fatores de cunho social e político, a maior parte dessa produção não chegava ao mundo ocidental. Ademais, as condições em que a pesquisa era realizada eram bem diferentes das encontradas em instituições norte-americanas e européias.

Recordo-me bem de quando estive pela primeira vez no IVPP, em 1995. Os pesquisadores dividiam até mesmo as impressoras e havia falta de insumos básicos para a pesquisa em geral – um quadro semelhante à situação brasileira.

Pouco tempo depois, mais precisamente em 2004, quando retornei, surpreendi-me ao constatar que praticamente todos os pesquisadores e funcionários mais destacados já tinham há algum tempo computadores modernos, com telas planas. Meu laptop já era então, para as condições dos meus colegas chineses, uma peça de museu. E editores da Science estavam lá, procurando incentivar os colegas a considerarem a revista para publicar seus principais trabalhos…

Atualmente o IVPP conta com mais de 160 funcionários que incluem aproximadamente trinta (!) preparadores de fósseis. São pouco mais de quarenta pesquisadores, entre os quais cerca de 25 atuam diretamente na paleontologia de vertebrados. É verdade que em 1995 o IVPP tinha inaugurado havia um ano o novo prédio, e estava claro que a situação mudava para melhor. Mas era difícil suspeitar que a instituição faria um impressionante progresso em tão pouco tempo.

O IVPP abriga algo em torno de 200 mil exemplares, a maioria constituída de peças arqueológicas. O número de vertebrados fósseis, que gira em torno de 20 mil, tem aumentado de forma significativa a cada ano, devido a uma política intensa de coleta de fósseis. E novas descobertas vêm sendo realizadas…

História institucional
Enganam-se os que imaginam que o IVPP seja uma instituição tradicional no sentido em que costumamos empregar esse termo, referindo-nos a instituições centenárias como o Museu Britânico (Londres), o Museu Americano de História Natural (Nova York) ou o nosso Museu Nacional no Rio de Janeiro.

O IVPP nasceu do antigo Laboratório de Pesquisa Cenozóica, fundado em 1929 como uma extensão do Serviço Geológico da China. Também durante esse tempo formou-se a Academia Chinesa de Ciências, à qual o IVPP está subordinado nos dias de hoje. Sua área de atuação é restrita à paleontologia de vertebrados e à paleoantropologia, esta última englobando artefatos líticos estudados pelos arqueólogos.

É possível que o IVPP seja a maior instituição do mundo em número de pesquisadores dedicados a esses dois temas, sobretudo em relação a vertebrados fósseis. O Museu Americano de História Natural, por exemplo, tem sete pesquisadores (dois dos quais eméritos) diretamente vinculados à paleontologia de vertebrados, e o Museu Nacional, apenas três.

Juntamente com o crescimento econômico da China, houve um maior incentivo para a pesquisa básica, que inclui o estudo dos fósseis. Há vários projetos de grande porte sendo desenvolvidos no IVPP, todos financiados exclusivamente pelo governo chinês, como o estudo da biota de Jehol, a origem e evolução dos vertebrados e a paleobiogeografia de peixes fósseis da Ásia.

O projeto sobre a fauna de Jehol envolve fósseis preservados em rochas do Cretáceo e obteve alguns dos mais surpreendentes achados paleontológicos dos últimos tempos. Foram encontrados angiospermas primitivas, dinossauros não-avianos com penas, ovos de pterossauros e mamíferos com dinossauros no seu conteúdo estomacal – apenas para citar alguns exemplos.

Esse projeto tem à sua disposição perto de um milhão de dólares por um período de cinco anos (!). Isso sem mencionar projetos “menores” (em torno de US$ 20 mil) que membros da equipe conseguem para pequenas escavações, viagens para exame de material e afins.

O museu
Além da importância para a pesquisa, o IVPP não descuida do retorno à sociedade e da visibilidade da sua produção científica. Para isso, criou o Museu de Paleozoologia da China, abrigado em um prédio de três andares, construído de forma singular como uma espécie de anexo ao prédio principal. Ali, o visitante encontra desde fósseis do Cambriano com aproximadamente 530 milhões de anos até artefatos líticos com cerca de 10 mil anos.

No total, são aproximadamente 900 exemplares expostos, que incluem, com destaque, dinossauros como o Monolophosaurus – um dos principais carnívoros da China e que se transformou em uma espécie de símbolo do museu. A instituição conta ainda com programas de extensão como o “Clube de Darwin para jovens”, um dos mais procurados.

O sucesso do IVPP está diretamente vinculado a uma grande e capaz equipe de profissionais e a um apoio contínuo à pesquisa. A receita até que é simples – o problema é como conseguir que fundos similares cheguem à pesquisa em países como o nosso… Enquanto isso, os colegas chineses continuam surpreendendo o mundo com suas novas descobertas. 

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
03/08/2007

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Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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Os pesquisadores Michal Ginter, da Universidade de Varsóvia (Polônia), e John Maisey, do Museu Americano de História Natural (Nova York, EUA), descreveram a caixa craniana e as arcadas dentárias do tubarão Cladodus elegans . O material foi encontrado na Escócia em rochas calcárias de cerca 330 milhões de anos (Carbonífero Inferior). O estudo, publicado na Paleontology , traz novos dados sobre essa rara e enigmática espécie de tubarão, que agora pode ser classificada no grupo dos Ctenacanthiformes. 
Novos exemplares de mamíferos carnívoros foram descritos da região de Wadi Moghra, no Egito. Os fósseis – dentes e mandíbulas – são procedentes de camadas com 17 a 18 milhões de anos (Mioceno Inferior). O estudo, coordenado por Michael Morlo, do Museu de Senckenberg (Frankfurt, Alemanha) foi publicado no Journal of Vertebrate Paleontology . Os resultados revelam não só a presença de formas com ampla distribuição na África, Europa e Ásia, como também cinco novas espécies endêmicas daquela região. 
O pesquisador Mark Webster, da Universidade de Chicago (EUA), examinou a variabilidade morfológica de trilobitas, grupo de artrópodos marinhos extintos que viveram na era Paleozóica (542-251 milhões de anos). Ele verificou que, durante o período Cambriano, mais precisamente entre 542 e 513 milhões de anos atrás, esses animais tiveram uma grande variabilidade, com o surgimento de várias espécies, maior do que em qualquer outro momento de sua história. A descoberta mostra que os processos evolutivos não agem de forma constante e podem mudar ao longo do tempo, sendo influenciados por diversos fatores. O estudo acaba de ser publicado em destaque na Science .
Pesquisadores conseguiram ter uma idéia da maturidade sexual dos dinossauros não-avianos. A maturidade sexual nas aves atuais é alcançada bem depois de o animal ter atingido tamanho adulto. Já nos répteis típicos, isso ocorre quando o animal começa a diminuir sua taxa de crescimento. Após analisar lâminas histológicas feitas em ossos de dinossauros e aplicar uma complexa metodologia, a equipe de Gregory Erickson, da Universidade Estadual da Flórida (EUA), estabeleceu que, no que se refere à maturidade sexual, os dinossauros não avianos eram mais parecidos com os répteis típicos do que com as aves. O estudo, que também sugere que a fisiologia desses dinossauros era mais parecida com os répteis típicos do que com as aves, foi publicado na revista Biology Letters .
Pesquisadores argentinos acabam de descrever um novo pingüim fóssil encontrado no Golfo de San José, na Península Valdés, Província de Chubut (Argentina). A equipe de Carolina Acosta Hospitaleche, do Museu de La Plata, encontrou um esqueleto praticamente completo em rochas formadas entre 9,4 e 10 milhões de anos (Mioceno). A espécie recebeu o nome de Madrynornis mirandus e reúne características intermediárias entre os pingüins mais antigos e os atuais. O estudo acaba se ser publicado na Acta Palaeontologica Polonica .
Entre os dias 20 a 29 de agosto de 2007 será realizado no Peru um curso de introdução à paleontologia de vertebrados. Idealizado por Jean-Noel Martinez, do Instituto de Paleontologia da Universidade de Piura, o curso é aberto ao público, particularmente peruano, e se destina a incentivar as pessoas interessadas na pesquisa de fósseis. A iniciativa poderia ser adotada em outros países sul-americanos, como o Brasil. Mais informações no site www.ipv2007.tk ou nos e-mails [email protected] e [email protected] .