Os países desenvolvidos divulgam anualmente seus inventários nacionais de emissões de gases de efeito estufa. O Brasil, que, como todos sabem, é um país em desenvolvimento (os demais estarão em senescência?) só divulgou seus inventários duas vezes, em 1995 e 2010. Nas duas ocasiões, a divulgação ocorreu cinco anos após os dados serem coletados. Ou estamos aprendendo muito devagar, ou não estamos muito convictos da relevância da tarefa. Também se poderia especular que não temos pressa em anunciar más notícias.
Seja como for, no inventário de 2010, o desmatamento respondia por 61% das emissões brasileiras. A agropecuária – filha do desmatamento – respondia por 19%, a energia por 15% e atividade industrial, tratamento de resíduos e saneamento, juntos, por 5%.
Os números pedem alguns comentários e ponderações. Colocavam o Brasil entre os dez maiores emissores do planeta – Brasil-sil-sil! – e, com a Indonésia, um dos únicos a ter o desmatamento como fator principal de emissão. A terceira posição do setor de energia no ranking das emissões nacionais deve-se sobretudo à forte proporção de geração hidroelétrica, menos suja que carvão, óleo e mesmo gás. A indústria, com seus magros 3% do total de emissões parece estar bem na foto, mas depende de agropecuária e energia.
Mas chega de ponderações sobre números velhos, afinal, os novos, relativos a 2010, devem sair ainda este ano e o governo avalia em caráter preliminar que nossas emissões teriam caído cerca de 30% entre 2005 e 2010, principalmente em decorrência da expressiva redução do desmatamento.
Essa queda deu-se por uma combinação de fatores – nem todos virtuosos, mas não cabe esmiuçá-los nesta coluna, bastando, por ora, que sejam, como de fato são, uma ótima notícia. Tomara que vire rotina. Mas, virando ou não, isto colocaria, em 2010, o desmatamento na terceira posição do ranking, atrás de agropecuária e energia.
Medidas esquizofrênicas
A energia tem frequentado o noticiário econômico com insistência, e algo de esquizofrenia. De fato, há matérias sobre os riscos de racionamento, devido à falta de chuvas para alimentar as represas, e outras sobre medidas para o barateamento da conta de luz, que parecem se contradizer. Afinal, se um bem se torna mais escasso, não se espera que fique mais barato.
Mas economia e política, para alguns, não são ciências, e, para a maioria, não são exatas, e as contradições abundam. Na contramão do que se poderia esperar, resolvemos estimular o ciclo produtivo do petróleo, fóssil e finito, com novos e generosos subsídios, esquecendo de fazer o mesmo com saneamento (é básico, lembra?), reciclagem, energia solar e eólica e muitas outras áreas que poderiam contribuir para reduzir as emissões em vez de aumentá-las.
Por comodidade e conveniência dos setores beneficiados, seguimos no vício de petróleo e hidroeletricidade. Temos parques eólicos prontos que só movem as próprias pás por falta de linhas de transmissão.
Mas o castigo pela falta de planejamento e maior e mais rápida diversificação da matriz energética veio a cavalo – cavalo-vapor, faz favor. As termelétricas, que não tínhamos no apagão de 2001 e agora temos, estão a todo vapor (e CO2) para evitar que o nível das represas hidrelétricas baixe demais.
Que ironia, um fator climático como a seca, talvez sintoma de mudanças globais, causa queda na geração de uma energia relativamente limpa e aumento na geração de outra energia bem mais suja, contribuindo para mais mudanças globais.
E assim, silenciosamente (para quem não mora perto de uma), as termelétricas nos salvam do apagão (por enquanto) e apagam a boa notícia da queda do desmatamento.
Como assim? Ainda estávamos comemorando! Pois é, alegrias ambientais parecem mesmo durar pouco. A WayCarbon, empresa de consultoria, estimou que entre outubro, quando foram acionadas, e dezembro do ano passado, as termelétricas despejaram cerca de 16 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera, o que deverá colocar o setor de energia na frente do desmatamento no ranking das emissões em 2012.
Mas não desanime! Se chover muito, poderemos em breve comemorar a redução das emissões termelétricas em 30% ou mais. A não ser que até lá alguém resolva calcular o aumento das emissões resultante da piora do trânsito urbano e do calor.
Os ambientalistas são mesmo uns chatos, nunca estão satisfeitos. Também, pudera…
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro