Viagra na feira?

Asabedoria popular, muitas vezes, é a fonte em que a ciência vai buscarinspiração para algumas de suas maiores descobertas. A análise decompostos químicos utilizados tradicionalmente pela população para acura de diversos males direciona o trabalho dos cientistas e evitagastos desnecessários com uma busca cega por substânciasfarmacologicamente ativas.

Os resultados dessa procura doscientistas, contudo, são freqüentemente divulgados pela imprensa comcerta precipitação, na forma de notícias que louvam as maravilhascurativas de alimentos e bebidas empregados comumente em nossodia-a-dia.

Compostos químicos utilizados por populações tradicionais contradiversos males às vezes têm seu efeito comprovado pela ciência e dãoorigem a medicamentos. Será o caso desse suposto “Viagra natural”vendido em uma banca de beira de estrada na Turquia? (foto: JulianFong).

Essas reportagens criam grande expectativa na população e estimulam oconsumo desses produtos, o que ocasiona o aumento de seu preço, até queum novo item seja eleito como a solução para a nossa saúde. Mas como umleigo que não está afeito às descobertas científicas e aos caminhos (edescaminhos) da ciência pode distinguir entre modismos e resultadoscientíficos realmente comprovados?

Um exemplo típico dessa tendência foio relato, veiculado recentemente na imprensa, de que o consumo demelancia pode render resultados similares à utilização do citrato desildenafil, medicamento conhecido pelo seu nome comercial de Viagra eutilizado para combater a impotência sexual masculina.

O Viagra é um dos medicamentos maisconhecidos de todos os tempos. Estima-se que quase 300 milhões dessescomprimidos azuis sejam consumidos por ano em todo o mundo, oequivalente a nove por segundo! Essa droga age de forma a permitir quehomens com disfunção erétil, quando estimulados sexualmente, obtenhamuma ereção graças ao aumento do fluxo sangüíneo no pênis.

Óxido nítrico e ereção
A fisiologia da ereção está relacionada com o sistema nervosoparassimpático por meio da liberação no corpo cavernoso peniano deóxido nítrico (NO), composto químico relacionado com a sinalizaçãocelular em diversos processos fisiológicos e patológicos. A produção deníveis adequados de NO protege os nossos órgãos, mas quantidadeselevadas podem causar intoxicação e contribuir para o colapso dos vasossangüíneos e choque séptico. A expressão crônica de NO, por sua vez,está associada com câncer e com doenças inflamatórias como diabetesjuvenil, esclerose múltipla, artrite e colite ulcerativa.

O mecanismo de ação do NO paraprovocar a ereção já está praticamente elucidado pela ciência. Após umestímulo sexual, os axônios dos nervos parassimpáticos liberam essecomposto, que se difunde pelas células de músculo liso ao redor doscorpos cavernosos no pênis.

Nesse tecido, o NO se associa com osreceptores de guanilato ciclase, uma enzima que catalisa a degradaçãodo trifosfato de guanosina (GTP), molécula associada com a síntese deRNA. A degradação de GTP ocorre por meio da produção de monosfosfato deguanosina (GMPc), que será posteriormente também eliminado emdecorrência da ação de outra enzima conhecida como PDE5 – sigla parafosfodiesterase tipo 5 específica para o GMPc.

Produzido pela Pfizer, o Viagra é um dos mais conhecidos medicamentosde todos os tempos. Estima-se que quase 300 milhões desses comprimidossejam consumidos por ano em todo o mundo (foto: Wikimedia Commons).

Aumentos nos níveis de guanilato ciclase induzem a musculatura lisa docorpo cavernoso peniano ao relaxamento por meio de uma vasodilataçãolocal, o que leva a um influxo maior de sangue. É esse aumento dovolume de sangue no pênis que promove a ereção.

Como age o Viagra
Para intensificar o fluxo sangüíneo peniano, uma droga deve ser capazde aumentar a quantidade de óxido nítrico nessa região ou,alternativamente, de elevar a quantidade de GMPc produzida no pênis emresposta ao NO ou de eliminar o PDE no pênis para que os níveis de GMPcaumentem.

O Viagra se utiliza desse últimomecanismo. Como sua estrutura molecular é similar à do GMPc, essa drogaé capaz de inibir a ligação da PDE5 com o GMPc (inibição competitiva)no corpo cavernoso peniano. Quanto maior for a quantidade de GMPc,maior será o fluxo de sangue e, conseqüentemente, maior será o grau daereção.

Após a ingestão, a droga permanece nacorrente sangüínea por aproximadamente quatro horas, sendo entãoeliminada pelo fígado e pelos rins. Contudo, sem o estímulo sexual, nãoocorre a ativação do sistema NO/GMPc e, assim, o Viagra não age deforma eficiente.

O sucesso desse medicamento se deve auma característica peculiar das enzimas do grupo PDE. O corpo humanoproduz pelo menos 11 tipos diferentes dessa molécula, mas apenas a PDE5ocorre no pênis. Essa especificidade permite que a droga aja de formaeficiente, pois evita a ocorrência de efeitos em outros locais doorganismo.

Entretanto, como qualquer medicamento,o Viagra possui efeitos colaterais, que vão de dores de cabeça atéreações mais graves, como ataques cardíacos – uma das razões pelasquais essa droga só deve ser consumida com prescrição médica.

Melancia e Viagra

A casca da melancia é rica em citrulina, composto que é transformado emum precursor do óxido nítrico, fundamental na fisiologia da ereção(foto: Steve Evans).

Mas o que a melancia tem a ver com essa história? Nessa fruta éencontrado um composto chamado citrulina, que é transformado porenzimas em arginina. Esse aminoácido beneficia o coração, o sistemacirculatório e a defesa imune e é um precursor do NO.

Antes que se inicie uma corridadesenfreada às feiras e varejões, os especialistas recomendam cautela.A pesquisadora Penelope Perkins-Veazie, do Departamento de Agriculturados Estados Unidos, lembra que seria necessário cerca de um litro emeio de melancia para se obter citrulina suficiente para aumentar osníveis de arginina no corpo. Além disso, deve ser notado que a maiorconcentração da citrulina (60%) está na casca da melancia, o que talveznão agrade muito ao paladar da maioria.

Esse composto pode ser encontradotambém em outros alimentos, como pepino e nozes. Deve ser ressaltadoque ele não está sozinho na lista de componentes naturais estudadospara o tratamento de disfunção erétil e que as pesquisas sobre essetema ainda não foram capazes de revelar um composto que seja eficienteem todas as situações sem causar efeitos adversos.

Devemos, portanto, aguçar nosso sensocrítico diante de reportagens sobre algum composto que seja a soluçãopara alguma doença ou que beneficie a nossa saúde com seu simplesconsumo isolado. Infelizmente, elixires milagrosos como osalardeados pela imprensa nunca existiram ou vão existir. Apenas aadoção de hábitos saudáveis aumentará nossa chance de termos uma vidalonga e saudável.

Jerry Carvalho Borges
Universidade do Estado de Minas Gerais
Antônio Carlos Borges 
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo (doutorando)
25/07/2008

SUGESTÕES PARA LEITURA
Burnett, A.L. (2008). Molecular pharmacotherapeutic targeting of PDE5 for preservation of penile health. J. Androl 29, 3-14.
Czp, A. (2005). Citrulline, Viagra and BiDil–bad medicine. Altern. Med. Rev. 10, 265-267.
Drewes, S.E., George, J., e Khan,F. (2003). Recent findings on naturalproducts with erectile-dysfunction activity. Phytochemistry 62, 1019-1025.
Hatzimouratidis, K. (2006). Sildenafil in the treatment of erectiledysfunction: an overview of the clinical evidence. Clin. Interv. Aging 1, 403-414.
Hatzimouratidis, K. e Hatzichristou, D.G. (2008). Looking to the future for erectile dysfunction therapies. Drugs 68, 231-250.
Kontaras, K., Varnavas, V., e Kyriakides, Z.S. (2008). Does sildenafilcause myocardial infarction or sudden cardiac death? Am. J. Cardiovasc. Drugs 8, 1-7.