Vírus gigante do passado

Degelo em franco progresso, liberando agentes patogênicos que causam epidemias… Soa familiar? Certamente o leitor já ouviu falar desse tema, já explorado por roteiristas de cinema. Mas será que essa possibilidade, por mais remota que seja, é verossímil?

A discussão é revigorada com a recente publicação, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), da descoberta de um vírus gigante, que estava ‘hibernando’ há pelo menos 30 mil anos no permafrost da Sibéria.

E o que é mais desconcertante: experimentos em laboratório demonstraram que o vírus, que tem DNA como material genético, pode se tornar ativo, matando amebas em algumas horas. O estudo foi liderado por Matthieu Legendre, da Universidade de Aix-Marseille, na França.

Megaviridae, Pandoravirus

Vírus são estruturas relativamente simples não consideradas organismos. Trata-se de agentes infecciosos, parasitas por natureza, que só conseguem se replicar dentro de células vivas de um organismo. Podem infectar animais, plantas e até mesmo bactérias.

Ao contrário do que ocorre com as células, não aumentam de tamanho e tampouco conseguem se dividir. Por serem pequenos, com diâmetro que varia na maioria das vezes de 20 a 300 nanômetros (1 nm = 1 bilionésimo de metro), só podem ser vistos com o auxílio de microscópios eletrônicos. Seu genoma é formado por uma ou mais moléculas de ácido nucleico (DNA ou RNA).

Os vírus dessa categoria diferem dos demais sobretudo por seu tamanho avantajado, podendo ser vistos ao microscópio óptico

Em 2003, foi descoberta uma nova categoria de vírus, que diferem dos demais sobretudo por seu tamanho avantajado, podendo ser vistos ao microscópio óptico. A comunidade científica mostrou grande interesse no seu estudo, que veio revelar a existência de outros, procedentes de áreas geográficas e ambientes distintos. Esses vírus gigantes foram reconhecidos como pertencentes a um novo grupo, chamado Megaviridae.

Todos têm uma estrutura geral similar. São formados por uma camada externa fibrosa única e medem cerca de 0,7 micrômetro. Têm um genoma de 1,25 Mb – 1 Mb (mega pares de base) corresponde a 1.000.000 bp (do inglês, base pair) –, codificam 1.000 proteínas e se replicam dentro da célula sem envolver o núcleo.

Posteriormente foi detectado outro grupo de vírus gigantes, designado Pandoravirus. Estes possuem virions (partículas virais) maiores – com 1 a 1,2 micrômetros e em forma de ânfora –, podendo conter um genoma de até 2,8 Mb e codificando até 2.500 proteínas. Sua replicação, ao contrário do grupo anterior, envolve o núcleo da célula hospedeira. Sabe-se que ambos os grupos infectam a ameba Acanthamoeba.

A descoberta

A equipe de Matthieu Legendre decidiu estudar o potencial das camadas de permafrost da Sibéria para preservar microrganismos, e também vírus. As camadas de permafrost apresentam algumas particularidades favoráveis à preservação de microrganismos, como pH neutro e escassez de oxigênio.

Permafrost
‘Permafrost’ no ponto mais setentrional do Ártico. Suas camadas de gelo apresentam características favoráveis à preservação de microrganismos, como escassez de oxigênio e pH neutro. (foto: Brocken Inaglory/ Wikimedia Commons – CC BY-SA 3.0)

Tomando cuidado para evitar contaminação, os pesquisadores realizaram seus estudos em amostras congeladas coletadas em 2000 na região de Chukotka, às margens do rio Anui. Segundo datações, essas camadas se formaram há pelo menos 30 mil anos (Pleistoceno tardio).

No início, as amostras revelaram a presença de estruturas semelhantes a vírus. Após isolá-las e realizar os procedimentos padrão relativos a amplificação, os pesquisadores examinaram o material ao microscópio eletrônico e verificaram que se tratava de um novo vírus, gigante, batizado de Pithovirus sibericum.

O novo vírus siberiano possui características dos dois grupos e algumas próprias, demonstrando que pertence a um terceiro grupo de vírus gigantes

Sua morfologia geral assemelha-se ao grupo dos Pandoravirus, mas se diferencia por ser maior (1,5 micrômetros de comprimento e 500 nanômetros de diâmetro) e apresentar na parte superior uma estrutura hexagonal. Curiosamente, depois de sequenciado, descobriu-se que o genoma do vírus siberiano era menor, compreendendo apenas 600 kb – 1 kb (kilo pares de base) corresponde a 1.000 bp.

Para verificar sua possibilidade de infectar organismos, os pesquisadores colocaram o novo vírus em contato com uma cultura de Acanthamoeba castellanii. Verificaram então que o vírus continuava ativo, infectando essa ameba em um período de 10 a 20 horas.

A estratégia de replicação também era distinta da dos Pandoravirus e semelhante à dos Megaviridae, por não envolver o núcleo da célula. Ou seja, o novo vírus siberiano possui características dos dois grupos e algumas próprias, demonstrando que pertence a um terceiro grupo de vírus gigantes.

Consequências

O estudo do Pithovirus apresenta várias implicações, algumas interessantes e outras preocupantes. Por um lado, a descoberta mostra que sabemos pouco sobre esses vírus gigantes, que parecem bem mais diversificados do que se supunha até agora.

Como esses agentes infecciosos fazem parte dos vírus DNA (assim chamados por conter DNA como material genético), o fato de se encontrar um deles com possibilidade de ainda estar ativo confirma a hipótese de que o DNA pode se manter por um período de tempo geológico extenso.

Essa é a primeira vez que se comprova a viabilidade de um vírus tão antigo

Já haviam sido encontradas evidências de que vírus e seus hospedeiros podem se manter preservados em rochas por longo tempo, como o Coccolithovirus e seu hospedeiro, revelados a partir de dados genéticos preservados em sedimentos de 7.000 anos na base do mar Negro.

Mais antigo ainda é o registro do tomato mosaic tobamovirus, obtido em testemunhos de gelo da Groenlândia, cuja idade varia de 500 a 140 mil anos. No entanto, essa é a primeira vez que se comprova a viabilidade de um vírus tão antigo.

Seria então possível um dia um vírus ‘extinto’ – gigante ou não – com potencial de afetar animais, inclusive a nossa espécie, acabar reaparecendo? No momento, os cientistas não têm uma resposta segura, já que as condições para infectar a ameba pelo Pithovirus foram estabelecidas em laboratório e não na natureza.

Degelo no Alasca
Comparação de fotos do Alasca mostra que a geleira McCarty, com cerca de 20 km, visível em 1909, não aparece na imagem de 2004. O aquecimento global em áreas circumpolares pode expor vírus no meio ambiente. (imagens: Ulysses Sherman Grant/ USGS Photo Library, 1909 e Bruce F. Molnia/ USGS, 2004)

Mas a pergunta é válida, uma vez que o degelo do permafrost na Sibéria e em outras áreas é contínuo, liberando no meio ambiente microrganismos distintos de tudo o que conhecemos e que há muito tempo desapareceram da face da Terra.

De qualquer forma, o estudo de Matthieu e colegas confirma a noção de que o aquecimento global e o desenvolvimento industrial em áreas circumpolares podem levar à exposição de vírus em distintos ecossistemas. Até mesmo a perfuração de camadas congeladas antigas para prospecção de petróleo no Ártico, por exemplo, pode trazer à superfície vírus preservados há milhares de anos.

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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Paulo Oliveira (Universidade Federal de Pernambuco) e colegas acabam de concluir estudo sobre osteodermos de xenarthras do grupo dos Dasypodidae (atualmente representado pelos tatus) procedentes da Gruta do Urso Fóssil, no Parque Nacional de Ubajara, no Ceará. Com idade de cerca de 8 mil anos, o material representa três espécies distintas, duas encontradas ainda hoje na região. Dessa forma, os autores chegaram à conclusão de que as condições ambientais não se modificaram naquela área de maneira expressiva nos últimos 10 mil anos. A pesquisa acaba de ser publicada nos Anais da Academia Brasileira de Ciências.

Uma revisão da fauna jurássica encontrada nos depósitos de Daohugou, na China, acaba de ser publicada no Journal of Vertebrate Paleontology. O estudo, coordenado por Corwin Sullivan (Institute for Vertebrate Paleontology and Paleoanthropology, Pequim), mostra que, apesar de serem menos diversos que os da famosa fauna da Biota Jehol, os exemplares de Daohugou são completos e têm igualmente tecidos moles preservados. Curiosamente, das 30 espécies de vertebrados descritas até agora, a maioria é de pterossauros (répteis alados).

Uma das primeiras cientistas profissionais da Austrália foi a palinóloga Isabel Clifton Cookson (1893-1973). James Riding e Mary Dettmann acabam de publicar na revista Alcheringa um resumo das contribuições dessa pesquisadora, que, entre outras contribuições à ciência, descreveu 557 espécies e demonstrou a utilidade dos dinoflagelados (grupo de microfósseis) para datação e correlações de camadas sedimentares.

Acaba de ser publicado na revista Ameguiniana a descrição de um novo dinossauro herbívoro do grupo dos titanossauros procedente de rochas formadas há aproximadamente 90 milhões de anos. Quetecsaurus rusconii vivia onde hoje está a província de Mendoza, na Argentina, e tem relação próxima com os Lognkosauria, que reúne alguns dos maiores dinossauros que existiram. O estudo foi realizado por Bernardo Riga e Leandro David, da Universidad National de Cuyo, em Mendoza.

Floréal Solé (Muséum Nacional d´Histoire Naturelle, Paris) publicou na Palaeontology a descrição de dois novos mamíferos carnívoros procedentes de depósitos do Eoceno da Europa. Os novos dados sugerem a existência de uma conexão terrestre desse continente com a América do Norte e também uma interação com a fauna da Ásia durante aquele período geológico.

Terminou a enquete sobre o tema mais interessante abordado na coluna durante o ano de 2013. Pela primeira vez, registramos praticamente um empate técnico entre O mais antigo primata fóssil, com 34,22% dos votos, e Reviravolta na origem dos peixes, com 31,34%. Como não temos segundo turno, venceram esses dois temas escolhidos pelos leitores. Parabéns aos autores dos trabalhos.