Como a ciência espera vencer a Aids?

Vinte anos após o início dos estudos que culminaram na descoberta do agente causador da Aids, a revista Science fez um balanço histórico sobre o avanço da pesquisa da doença e apontou perspectivas para seu combate no futuro. O balanço foi publicado em 22 de novembro, em quatro artigos. O primeiro, assinado por Stanley Prusiner, neurologista da Universidade da Califórnia em São Francisco (EUA), relata a descoberta do HIV — e as rusgas surgidas entre o francês Luc Montagnier e o americano Robert Gallo, cientistas considerados co-descobridores do vírus. Montagnier assina o segundo artigo, e Gallo, o terceiro. Cada um descreve sua participação na descoberta do HIV e os caminhos adotados em suas pesquisas. O quarto artigo, escrito a quatro mãos por Montagnier e Gallo, sela a paz entre os dois e aponta suas expectativas para o futuro.

O HIV (pequenos pontos pretos), vírus causador da Aids, ataca células do sangue (imagem: Fiocruz)

Segundo ambos, a epidemia de Aids deve ser detida em breve. Para isso, a ciência precisa desenvolver terapias alternativas práticas para os países em desenvolvimento, como microbicidas, comercializados na forma de pomada ou usados na fabricação de preservativos, que impeçam a transmissão sexual. “Precisamos de uma política de prevenção adaptável às condições sociológicas e culturais dos países mais atingidos, na África e Ásia”, dizem Gallo e Montagnier.

“As drogas usadas hoje contra o HIV agem na reprodução do vírus”, explica Armando Ventura, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. “Os inibidores da transcriptase reversa, por exemplo, impedem que o material genético do HIV seja produzido.” Os novos antivirais, ainda em estudo, têm como alvo não só vírus em divisão, mas também em repouso.

Novas classes de drogas, em especial os ‘inibidores de entrada’, são promissoras. “Alguns desses inibidores se ligam aos receptores nos linfócitos aos quais o HIV aderiria, outros à porção do vírus que se ligaria aos linfócitos”, explica Ricardo Diaz, professor da Universidade Federal de São Paulo. “O efeito é o mesmo: as substâncias impedem a ligação do HIV aos linfócitos e o vírus não consegue invadir as células.”

Uma vacina contra a Aids já está em fase de testes em humanos. Sua ação baseia-se na indução da imunidade mediada por linfócitos T. Em testes com macacos, a vacina não produziu proteção total, mas manteve os vírus em níveis muito baixos para causar doença por mais de um ano. “Ainda não há perspectiva de uma vacina que previna a infecção”, afirma Diaz. “Mas existe expectativa quanto a vacinas que impeçam que o portador do vírus fique doente, ao preparar seu sistema imune para combater a replicação do vírus.”

Apesar desses avanços, Gallo e Montagnier acreditam que o mais importante para deter a epidemia é difundir os tratamentos já existentes nos países pobres, onde ela é mais grave. “Cientistas e clínicos de países desenvolvidos devem treinar especialistas nos países mais atingidos pela Aids”, dizem. “Deve haver transferência de tecnologia e uma troca bilateral de informação.”

Adriana de Melo
Ciência Hoje On-line
07/01/03