Pesquisadores de instituições norte-americanas descobriram que, para os gatos, o simples ato de beber leite envolve uma complexa e instintiva mecânica de fluidos. Ao contrário dos cães, que se lambuzam enquanto bebem, os gatos só molham a parte superior da língua. Com movimentos rápidos, eles formam uma coluna com o líquido e conseguem driblar a gravidade durante o tempo necessário para ingeri-lo.
A ideia do estudo surgiu há três anos, enquanto o engenheiro Roman Stocker, do Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT, na sigla em inglês), observava seu gato “almoçando”. O físico português Pedro Reis, também do MIT, conta que Cutta Cutta, como o felino é chamado, parecia lutar contra a gravidade para trazer a água até a boca.
“Ficamos curiosos e, enquanto procurávamos a bibliografia relacionada ao tema, nos demos conta de que ninguém havia pesquisado isso antes”, diz Reis em entrevista à CH On-line.
Como o movimento dos felinos é muito rápido e não pode ser observado a olho nu, os pesquisadores usaram vídeos que permitiram uma análise quadro a quadro. Eles perceberam que os gatos projetam a língua como um ‘J’ e só a parte superior entra em contato com o líquido.
Depois disso, o gato recolhe a língua para cima, em direção à boca, em uma velocidade de aproximadamente um metro por segundo. Sua língua repete esse movimento quatro vezes por segundo e leva 0,1 ml de leite por vez.
Esse processo cria uma coluna de líquido sustentada pela inércia, propriedade física segundo a qual um corpo não altera seu estado de movimento sem que sofra a ação de uma força externa. Quando o gato fecha a boca, ele bebe parte dessa coluna. “O que é fantástico é que o gato sabe exatamente quando fechar a boca e repete o processo com uma frequência que otimiza o volume ingerido”, explica o físico.
Se o animal esperasse mais uma fração de segundo, a gravidade faria com que a coluna se rompesse e a maior parte do líquido cairia novamente na tigela. Mas o felino fecha a boca exatamente no momento em que a gravidade e a inércia estão equilibradas.
“Do ponto de vista da mecânica de fluidos, esse é um processo bastante complicado, mas o gato sabe mesmo muito de mecânica de fluidos”, brinca Reis. E acrescenta: “Eles são equilibrados em tudo: quando caem e quando bebem!”
Língua mecânica
Para calcular os movimentos da língua dos gatos com precisão, os pesquisadores criaram um dispositivo mecânico capaz de reproduzi-los. “Os gatos têm personalidade muito forte e não fazem o que pedimos a eles; por isso, construímos o robô, mas não foi nada fácil”, conta o físico.
Com o dispositivo, foi possível simular variações nos parâmetros do movimento por meio da aplicação de um modelo matemático elaborado pelo grupo para descrever o processo. A análise da variação sistemática desses parâmetros confirmou o modelo desenvolvido.
Os pesquisadores também filmaram outros felinos, como leões, tigres, jaguares e leopardos do Zoológico New England, em Boston (Estados Unidos). Dessa forma, eles confirmaram a hipótese de que, embora o modo como esses felinos bebem seja muito semelhante ao dos gatos, a frequência com que a língua repete o movimento diminui à medida que o peso do animal aumenta. Isso quer dizer que animais maiores bebem mais lentamente.
A equipe não esconde seu entusiasmo com o trabalho, publicado esta semana na página da revista Science na internet. “Para nós, esse estudo é mais uma confirmação de como é emocionante explorar o lado desconhecido da ciência, especialmente quando esse desconhecido é algo que faz parte de nossas experiências cotidianas”, avalia Reis.
Assista ao vídeo que mostra o movimento da língua do gato em câmera lenta
Bruna Ventura
Ciência Hoje On-line