Onde mais se precisa, menos se pesquisa – ou algo bem próximo disso. É o que revela um mapeamento dos estudos sobre mudanças climáticas publicados em todo o mundo. Nas regiões mais pobres do planeta, que são também as mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas globais, a literatura sobre o tema é bem mais escassa do que nas regiões mais ricas. Além disso, as colaborações internacionais para produção de conhecimento tendem a acontecer entre grupos bem específicos de países, segundo critérios de proximidade geográfica e socioeconômica, o que deixa as áreas pobres ainda mais excluídas.
Em artigo publicado no periódico Global Environment Change, pesquisadores dinamarqueses apresentaram um panorama geográfico da produção científica sobre mudanças climáticas. Eles avaliaram a procedência de mais de 15 mil trabalhos científicos publicados em revistas científicas internacionais entre 1999 e 2000. Os resultados mostraram que os estudos sobre o tema são publicados principalmente por países desenvolvidos – Estados Unidos na frente, com cerca de 3,4 mil trabalhos – ou membros do BRICS (grupo composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países em desenvolvimento com grandes economias).
Já os países do mundo subdesenvolvido – os mais vulneráveis para lidar com os efeitos das mudanças climáticas, incluindo alguns exemplos da América Latina, África e Oceania – são os que produzem menos conhecimento sobre o assunto: muitos deles tiveram apenas uma ou duas publicações nesse período.
“Os países com menor produção científica nessa área são os que potencialmente têm menos recursos econômicos e estruturais para responder às consequências das mudanças climáticas”, afirma Pietro Kiyoshi Maruyama Mendonça, biólogo da Universidade Estadual de Campinas e único brasileiro participante do estudo. “O desequilibro encontrando indica que a ciência das mudanças climáticas não atende à necessidade de uma grande e vulnerável parte da população global. Como o conhecimento científico é (idealmente) utilizado para embasar as tomadas de decisões, nós especulamos que a falta de conhecimento produzido em algumas regiões em desenvolvimento deixa uma lacuna crítica nos debates políticos a nível mundial”, acredita.
Para Maya Pasgaard, geocientista da Universidade de Copenhague e principal autora do estudo, o reconhecimento do problema por parte de gestores do mundo todo é o primeiro passo para mudanças efetivas. “Com a consciência de que é preciso mudar esse panorama, líderes mundiais devem desenvolver iniciativas políticas, econômicas e educacionais que melhorem a produção local no assunto e incentivem a colaboração entre países e regiões”, pontua. Segundo os autores, atualmente as cooperações científicas reúnem países que já publicam um grande número de trabalhos – por exemplo, Estados Unidos, Canadá e China.
Apesar de sua notada produção científica sobre mudanças climáticas, o Brasil – 18º país em número de publicações de acordo com o levantamento dos pesquisadores, com 186 artigos – também teria muito a ganhar com a colaboração internacional, acredita Pasgaard. “O país possui uma grande capacidade de melhorar seu conhecimento, preparação e adaptação para os efeitos das transformações climáticas por meio de trocas com demais países”, garante a geocientista.
Jean Remy Davee Guimarães, biólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ressalta a importância do levantamento, mas questiona o que será feito a partir de suas conclusões. “Os resultados refletem o mapa de infraestrutura, educação, investimento em ciência e as questões histórico-culturais. A pesquisa conclui que precisamos de mais comunicação e colaboração, mas quem dará o primeiro passo?”, provoca.
Everton Lopes
Instituto Ciência Hoje/ RJ