Consórcio internacional seqüencia genoma de três parasitas

A edição de 15 de julho da revista científica norte-americana Science traz uma série de artigos de grande importância para a pesquisa em saúde pública no Brasil e outros países em desenvolvimento. O dossiê especial apresenta o seqüenciamento, a análise e a comparação do genoma de três parasitas causadores de doenças que ameaçam centenas de milhões de indivíduos nas regiões tropicais e subtropicais do globo – entre eles, o Trypanosoma cruzi , que provoca o mal de Chagas. Os artigos apontam caminhos possíveis para a pesquisa futura de drogas e vacinas para combater essas doenças.
 
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Capa da Science de 15 de julho, que traz uma série de artigos sobre o genoma de três parasitas da família do T. cruzi .

Os resultados publicados e discutidos em sete artigos e um editorial da Sciencesão fruto do trabalho conjunto de um consórcio internacional de cientistas. Os projetos, em andamento desde o final dos anos 1990, envolveram cerca de 250 autores vinculados a 46 diferentes instituições, sediadas em 21 países. O Brasil está representado por oito cientistas, vinculados às Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG) e São Paulo (Unifesp), à Universidade de São Paulo (USP) e ao Centro de Pesquisas René Rachou, ligado à Fundação Oswaldo Cruz.

 
Além do T. cruzi , os artigos relatam o seqüenciamento do genoma de outros dois protozoários da mesma família: o Trypanosoma brucei , causador da doença do sono, e o Leishmania major , que provoca uma forma cutânea de leishmaniose (todos eles são transmitidos ao homem por insetos). Em comum, além da afinidade taxonômica, esses parasitas estão por trás de doenças para as quais não existem vacinas e que podem levar à morte se não forem devidamente combatidas.
 
A comparação do genoma das três espécies revelou que elas compartilham pelo menos 6.200 genes – alguns deles foram possivelmente ‘herdados’ de bactérias, a partir de um processo de transferência horizontal. O estudo das proteínas codificadas por essas seqüências de DNA poderia levar ao desenvolvimento de uma droga que fosse eficaz contra as três doenças.
 
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Vários protozoários T. cruzi , causadores da doença de Chagas, no momento em que se aderem a uma fibra muscular cardíaca. O mal de Chagas afeta todo ano de 16 a 18 milhões de indivíduos, sobretudo na América Latina. (foto: Helene S. Barbosa/Fiocruz)

Entre os sete artigos publicados no dossiê especial da Science , o que relata o seqüenciamento do genoma do T. cruzi é o que contou com o maior número de autores brasileiros (seis). Um deles é a bióloga mineira Daniella Bartholomeu, pós-doutoranda do Instituto para a Pesquisa Genômica (TIGR, na sigla em inglês), sob a orientação do professor Najib El-Sayed, um dos coordenadores do seqüenciamento do parasita. O estudo permitiu identificar 22.570 proteínas codificadas pelos genes do protozoário. 

 
“O projeto genoma do T.cruzi foi um dos maiores desafios já enfrentados pelo TIGR e pelos demais membros do consórcio”, conta Daniella em entrevista à CH On-line . “Além de haver muitas seqüências repetitivas, o genoma da cepa do protozoário selecionada para o projeto tem natureza híbrida, o que foi um fator altamente complicador.”
 
A pesquisadora participou de um dos mais importantes resultados do seqüenciamento: a descoberta de uma grande família de cerca de 1300 genes nunca descrita anteriormente. “As proteínas codificadas por esses genes podem estar envolvidas na forma como o parasita escapa do sistema imune do hospedeiro ou na sua habilidade para infectar diversos tipos de células”, explica Daniella. “Mas essas hipóteses ainda precisam ser testadas experimentalmente”, ressalta.
 
Um dos artigos do dossiê traz ainda uma análise do proteoma do T. cruzi , na qual foram identificados os peptídeos que compõem quase 3 mil das proteínas sintetizadas pelo protozoário quando ele infecta o homem. Os resultados revelam que o parasita usa meios diferentes para obter energia nos quatro estágios do seu ciclo de vida – cada um deles configura um alvo possível para o desenvolvimento de medicamentos.
 
As doenças causadas pelos microrganismos seqüenciados não estão entre as prioridades da agenda das grandes companhias farmacêuticas e de parte das instituições de pesquisa em saúde pública dos países desenvolvidos, o que reforça a importância do projeto. Mas o feito está longe de representar uma solução para esse problema, como reconheceu em editorial da Science o pesquisador George Cross, chefe do Laboratório de Parasitologia Molecular da Universidade Rockefeller, em Nova York (EUA). “Houve várias iniciativas para combater doenças que afetam os países em desenvolvimento, mas precisamos recursos e um engajamento em uma escala bem mais ampla para transformar os alvos para a criação de drogas em sucessos clínicos”.
 

O seqüenciamento foi financiado principalmente pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês) e pela fundação britânica The Wellcome Trust. Os resultados estão disponíveis gratuitamente na internet e serão também disponibilizados em dois CDs a serem distribuídos para pesquisadores sem acesso à rede mundial de computadores. 


Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
14/07/05