Contando elefantes pelo som

Contar elefantes parece coisa fácil – afinal, eles são animais enormes. Mas a tarefa torna-se mais complicada do que se imagina quando se trata dos elefantes africanos de floresta. Por habitarem regiões de mata fechada, o monitoramento das populações desses animais era quase impossível. Até agora.

Cientistas norte-americanos desenvolveram um método de contagem de elefantes que vai muito além do que os olhos veem. Com a ajuda de microfones especiais espalhados pela floresta que captam os sons produzidos por esses animais, os pesquisadores são capazes de estimar o tamanho das populações para melhor preservar a espécie.

Os elefantes se comunicam por meio de sons inaudíveis para os humanos

Todo elefante se comunica por meio de sons inaudíveis para os humanos. São os chamados infrassons, ondas sonoras extremamente graves com frequências abaixo de 20 Hz. Essas ondas estão menos sujeitas a interferências do que as mais altas e, por isso, conseguem viajar por longas distâncias. Pesquisas anteriores já haviam comprovado que os elefantes da savana africana conseguem responder aos chamados de seus semelhantes a até 4 km de distância e acredita-se que os elefantes de floresta tenham capacidade similar.

Instalação de microfone
O diretor do Elephant Listening Project, Peter Wrege, sobe em uma árvore para instalar um microfone (foto: The Elephant Listening Project – Cornell University).

Por meio de técnicas de monitoramento sonoro, originalmente desenvolvidas para a observação de pássaros, cientistas do The Elephant Listening Project (Projeto Escutar Elefantes, em tradução livre) do Laboratório de Ornitologia da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, começaram a dimensionar a população de elefantes de floresta no Gabão e no Congo.

O trabalho é descrito em artigos publicados no African Journal of Ecology. Primeiro, os pesquisadores contaram elefantes reunidos em clareiras e registraram os sons que os animais faziam. Depois, cruzaram esses dados com as gravações feitas por microfones espalhados na floresta.

“Mensuramos a relação entre o número de sons emitidos por unidade de tempo e o número de elefantes produzindo esses sons, o que nos permitiu estimar o real número de elefantes em uma área de floresta somente por meio das gravações de seus chamados”, explica o biólogo Peter Wrege, diretor do projeto. “Estamos mais perto de descobrir quantos elefantes ainda existem na região e como eles se organizam.”

Organização social complexa

Os elefantes africanos de floresta se organizam em grupos liderados pelas fêmeas e passam a maior parte de seu tempo dentro da mata. Geralmente, são elas que se reúnem nas clareiras com seus filhotes, aos pares ou trios, enquanto os machos andam sozinhos. Segundo Wrege, a organização social desses animais é bastante complexa e os infrassons são fundamentais para que os indivíduos se comuniquem mesmo a quilômetros de distância.

Microfone para captar infrassom de elefantes
Microfone especial usado para captar os infrassons emitidos pelos elefantes. Cada aparelho consegue gravar diariamente por até cinco meses (foto: The Elephant Listening Project – Cornell University).

Hoje os integrantes do projeto continuam espalhando microfones especiais (que os cientistas chamam de unidades autônomas de gravação) pelas árvores das florestas do Gabão e Congo para finalizar a contagem da população dos elefantes e conhecer seus hábitos de movimentação.

Cada microfone consegue gravar continuamente por mais de cinco meses e tem acoplado a si um receptor de GPS (sigla em inglês para Sistema de Posicionamento Global), que provê informações precisas de tempo e espaço.

Depois, o som captado é alinhado com as informações do GPS, o que permite verificar exatamente a quantidade e a localização dos elefantes. “Os microfones podem captar sons em diferentes lugares ao mesmo tempo, o que nos fornece muita informação sobre esses animais sem que nossa observação influencie o comportamento deles”, avalia Wrege.

Antes, o monitoramento de elefantes de floresta ficava restrito a observações aéreas e à contagem das fezes

Antes do desenvolvimento dessa tecnologia, o monitoramento de elefantes de floresta ficava restrito a eventuais observações aéreas das clareiras e à contagem de suas fezes. O novo método pode ser usado com qualquer espécie que emita sons para se comunicar. Wrege conta que as gravações do projeto já captaram sons de chimpanzés, chamados de gorilas e o canto de diversos pássaros e sapos.

 

Assista ao vídeo e ouça dois elefantes se cumprimentando:

 

Pela preservação da espécie

A maioria dos elefantes de floresta é encontrada justamente no Congo, país que abriga a segunda maior floresta tropical do mundo, atrás apenas da Amazônia. Segundo os integrantes do projeto, a população escassa e a ausência de conflitos civis na região têm contribuído para que as populações de elefantes se mantenham.

No entanto, o elefante africano de floresta corre risco de extinção. Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês), todas as espécies de elefantes estão ameaçadas. A caça ilegal, a extração de recursos naturais e a construção de rodovias próximas às matas são as principais ameaças à sobrevivência das populações dos elefantes africanos de floresta.

Em algumas florestas do Congo, 10% da população de elefantes são caçados ilegalmente todo ano. O marfim dos elefantes da floresta é mais denso que o dos elefantes da savana, o que o torna mais valioso e cobiçado. “O monitoramento é essencial para desenvolver e implementar qualquer plano de conservação da espécie”, afirma Wrege.

“Monitorar é essencial para desenvolver e implementar qualquer plano de conservação da espécie”

No momento, Peter Wrege e outros pesquisadores do projeto estão no Gabão, onde concentram esforços para conseguir os primeiros dados da atividade noturna dos elefantes de floresta. “Esperamos, com esses dados, expandir nosso monitoramento para outras áreas no Congo e testar dois novos experimentos que usam a gravação de sons para implementar diretamente medidas contra a caça ilegal de elefantes”, diz o biólogo. Nos próximos meses, a equipe pretende avaliar o impacto da exploração de petróleo nas florestas e na costa do Gabão sobre os elefantes.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line