Corra, ema, corra!

Certas espécies isoladas em cativeiro por várias gerações não reconhecem mais seus predadores e, quando reintegradas à natureza, morrem facilmente. É o caso da ema: como solução, o zoólogo Cristiano Schetini de Azevedo desenvolveu um método de treinamento para que essas aves sejam capazes de sobreviver em liberdade. O estudo é sua dissertação de mestrado, a ser defendida em 2004 na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Puc-Minas). A análise preliminar dos resultados mostra que as emas aprendem rapidamente a reagir à presença de predadores.

Homem com a fantasia do filme Pânico persegue ema em
teste com o objetivo de condicioná-la a reagir a predadores

O estudo contou com a participação da Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte, que cedeu 15 emas da espécie Rhea americana , a maior ave sul-americana. Elas foram divididas em dois grupos de teste e um de controle. Durante o treinamento, os animais ficavam em uma área cercada enquanto um modelo de predador era puxado por um corredor lateral. Foram usados uma onça-pintada empalhada sobre um carrinho e um cachorro doméstico vivo, os dois principais predadores das emas.

Logo depois, um homem com uma rede e vestindo uma fantasia entrava correndo e simulava uma captura, sem concretizá-la. “A função da fantasia é disfarçar a silhueta humana e impedir que as emas considerem o homem um predador”, explica Schetini.

Após um minuto, cessava a perseguição e o modelo passava novamente pelo corredor. Os animais ainda foram observados durante 15 minutos. Segundo o zoólogo, a idéia era associar um estímulo visual ao processo de captura. “Assim, quando as emas vêem o predador, elas sabem que algo ruim vai acontecer.”

Onça-pintada empalhada e cachorro (da raça Rotweiller) usados nos testes.
Esses animais são os principais predadores da ema (fotos: Robert J. Young)

Cada grupo de teste passou por 15 sessões de treinamento. “A partir do terceiro treino as aves já ficavam alertas com a presença do predador”, conta Schetini. Além do cachorro e da onça-pintada, foi usada uma cadeira, apresentada nos padrões dos outros testes. Mas aqui a perseguição não foi realizada para evitar que as emas associassem a aparição da cadeira a perigo. “Queríamos nos certificar que não era o barulho do carrinho que alarmava as emas.”

Algumas semanas após o fim das sessões, foram feitos testes de memória para verificar a eficácia do método. Neles foi apresentado o modelo de onça-pintada nos mesmos padrões de antes, mas sem a perseguição em seguida. As análises preliminares indicam que as emas mantiveram a reação de alerta mesmo após três meses do fim do treinamento. Os testes de memória foram feitos também com o grupo de controle para avaliar o comportamento das emas não-treinadas. “Quando viam o predador, elas se agitavam mas se acalmavam logo em seguida”, conta o zoólogo.

Apesar do treinamento, os animais ainda não foram reintegrados ao hábitat natural. Segundo Schetini, pensou-se em um projeto de reintrodução no Parque Nacional da Canastra, cuja população de emas diminuiu drasticamente nos últimos anos, mas as restrições ambientais impostas à área inviabilizaram sua implementação. “É preciso um grande aparato técnico e faltam os recursos financeiros necessários.”

Rafael Barifouse
Ciência Hoje On-line
24/11/03