Crescimento constante

 

Modelo de produção que prevê sustentabilidade econômica e ambiental, a agroecologia segue um caminho diferente daquele trilhado pelas áreas tradicionais de pesquisa em agricultura. Além de não cultivar monoculturas em grandes propriedades, geralmente para exportação ( plantations ), descarta o uso de insumos industriais, inseticidas e organismos transgênicos.
 
Com essa filosofia, seus defensores parecem perder a disputa comercial para empresas que detêm produção automatizada em larga escala. Apesar disso, o sistema tem atraído o interesse de agricultores e consumidores para os chamados produtos agroecológicos. Tanto que, durante o 3º Congresso Brasileiro de Agroecologia, realizado recentemente no Centro de Eventos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), cerca de três mil participantes puderam constatar o crescimento do modelo, que se concretiza especialmente no Brasil.
 
Em entrevista à CH On-line , o coordenador do evento, Luiz Carlos Pinheiro, do Centro de Ciências Agrárias da UFSC, fez um balanço do encontro e relatou as vantagens da construção de um sistema sustentável de agricultura.
 

Luiz Carlos Pinheiro, professor do Centro de Ciências Agrárias da UFSC e coordenador do 3 o Congresso Brasileiro de Agroecologia.

Que avaliação o senhor faz do 3º Congresso Brasileiro de Agroecologia?

É possível resumir o evento em uma palavra: diversidade. A começar pelos temas abordados: de políticas públicas a espiritualidade e dialética na agroecologia. O público também foi variado. Houve 2.800 inscritos, entre pesquisadores, professores universitários, técnicos de campo, estudantes de graduação e pós-graduação, agricultores e cidadãos interessados no tema, vindos de todas as regiões do Brasil e do exterior. O programa permitiu que as pessoas participassem de muitas atividades. Tivemos 31 oficinas, 108 apresentações orais, 9 mesas-redondas, 5 conferências e 405 pôsteres. Sem falar nas tendas onde foram vendidos produtos agroecológicos.
 
Quais os principais temas abordados?
A diversidade predominou também no âmbito temático. Houve espaço para manifestação do Movimento dos Sem-Terra (MST) e de associações de espiritualidade, que abordaram questões subjetivas e de interesses diversos. Mas os debates se concentraram em temas como ecossocialismo, políticas públicas na área de agroecologia, saber científico e popular, e manejo de recursos naturais em unidades agroecológicas de produção. A abertura do evento coube ao deputado estadual frei Sérgio Görgen (PT-RS), bastante atuante na área de agroecologia. Da conferência de encerramento, que discutiu políticas públicas em agroecologia, participaram o ministro Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, Eulogio Muñoz Borges, do Instituto de Ciência Animal de Cuba, e Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST.
 
Quais as novidades dessa edição do congresso?
Pela primeira vez o evento foi promovido pela Associação Brasileira de Agroecologia, fundada em 2004. Uma novidade foi a aceitação de relato de agricultor como trabalho científico, o que permitiu a apresentação de estudos de caso bastante pragmáticos, garantindo ainda mais diversidade ao evento. Dessa vez, todos os trabalhos tinham resumo em inglês, para permitir que todo o mundo conheça o que se produz no Brasil na área de agroecologia.
 
Qual a importância da pesquisa brasileira para a agroecologia?
O Brasil é o país mais avançado do mundo na área. Nenhum povo reúne a diversidade de experiências que temos, realizadas por agricultores, pesquisadores, empresas estatais, universidades, organizações não-governamentais e associações de produtores, em praticamente em todos os tipos de clima, desde o temperado das serras catarinense e gaúcha até o semi-árido do Nordeste e o tropical úmido da Amazônia. Em 2002, participei de um congresso internacional de agricultura orgânica no Canadá, e um professor de lá disse que, em um eventual encontro canadense de agroecologia, não participariam mais que 10 pessoas; aqui tivemos 2.800 inscritos. Não é só de samba e futebol que somos bons.
 
Cada vez mais a agricultura adota os avanços da engenharia genética, o que tem criado polêmicas. Como o senhor vê a questão?
O assunto foi abordado em uma conferência sobre uso de energia na produção agroecológica. Chega-se finalmente ao consenso de que a questão energética está na base do debate sobre sustentabilidade de sistemas agrícolas. Como é que os que defendem a continuidade da revolução verde podem justificar um sistema que, em média, gasta cinco calorias para produzir uma única caloria de energia em um alimento? Trata-se de uma agricultura totalmente baseada no uso de petróleo. Quando esse recurso se esgotar, acabará também a agricultura? É óbvio que isso está errado.
 
Participaram do congresso cientistas que ainda defendem a revolução verde?
Não, porque o encontro foi de agroecologia e não de agricultura. Nosso interesse foi discutir temas pertinentes à agroecologia e não polemizar com o pessoal que defende outra visão. Da mesma forma, nunca fui convidado para conferir palestra em um congresso que defendia explicitamente o trabalho com confinamento de animais, por exemplo.
 
É comum a confusão entre agroecologia e agricultura orgânica. Em que circunstâncias uma agricultura pode ser considerada agroecológica?
O termo ‘orgânica’ é usado para se referir à produção livre de agrotóxicos e compostos químicos. Na agroecologia há, além disso, uma preocupação com o agricultor. Ela visa à sustentabilidade, com base na rotação de culturas, no emprego de recursos da própria propriedade e do sol como principal fonte energética, prevendo um equilíbrio social e ambiental. Nos Estados Unidos, por exemplo, é comum a não-utilização de veneno nos grandes latifúndios. Mas não podemos considerar agroecológica uma atividade baseada em enorme monocultura comandada por empresas que usam mão-de-obra assalariada ilegal. O projeto da agroecologia segue em direção oposta.
 
Como o senhor explica o crescimento desse sistema no Brasil?
O principal motivo é a falência do modelo convencional. Da forma como a agricultura tradicional funciona, quase todo o lucro vai para as empresas que vendem insumos de produção. O agricultor não ganha mais dinheiro, razão pela qual muitos abandonaram a atividade. Um exemplo: em 1985, Santa Catarina tinha, segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], 50 mil suinocultores integrados com a indústria. Em 2000, esse número caiu para pouco mais de 17 mil, sem redução do rebanho suíno. Imagine a concentração de renda que isso implica! Estatísticas sobre produção de hortaliças e fruticultura apontam para o mesmo quadro.
 
De que forma a agroecologia resolve esse problema?
Um pomar, por exemplo, exige grande investimento e uma área mínima de produção. No modelo convencional, não é qualquer pequeno agricultor que pode entrar no ramo da fruticultura. Esse sistema, por estar baseado em uma fonte energética equivocada, consome insumos industriais caríssimos. É aí que lucra mais aquele que vende produtos ao agricultor. Para se ter uma idéia, nos últimos 20 anos o custo dos insumos agrícolas, que vão desde adubo e semente até óleo diesel e arame farpado, aumentou 40% mais do que a média dos preços dos produtos agrícolas pagos ao produtor. É a agricultura que paga a conta do controle da inflação no Brasil. O produto processado industrialmente tem aumento médio muito maior que aquele vendido in natura . Dessa forma, a agroecologia surge como boa opção porque não torna o cultivo dependente de insumos industriais de alto custo e, de certo modo, liberta o agricultor da escravidão com relação a indústrias e bancos.
 
Quais as vantagens para o consumidor?
Hoje, com o crescente índice de câncer e problemas cardíacos decorrentes em grande parte de produtos químicos presentes nos alimentos, a sociedade urbana exige qualidade da agricultura. E a agroecologia é o único sistema que busca criar produtos que atendam essa demanda. Além disso, é possível produzir alimentos com custos menores. Nos Estados Unidos, defensores da agricultura convencional conseguiram uma dupla vitória: fazer com que os transgênicos não sejam rotulados com a indicação de que contêm organismos geneticamente modificados (OGMs) e proibir que os produtores de não transgênicos estampem essa informação na embalagem. Na visão da Food and Drug Administration [agência norte-americana que regula a produção e o comércio de drogas e alimentos], que tomou essa decisão, o rótulo “alimento livre de transgênico” prejudicaria empresas que utilizam OGMs – o que é um absurdo. Felizmente no Brasil isso ainda é obrigatório.
 
Quais as proporções do movimento agroecológico no Brasil?
Em 20 anos, muita gente do MST já foi assentada. O assentado, como qualquer outro agricultor, precisa produzir para sobreviver e sustentar sua família. Essas centenas de milhares de pessoas têm boa experiência de organização e, por perceber os problemas ambientais e o endividamento e envenenamento de muitos agricultores, concluíram que o modelo agrícola em vigor não serve mais. O movimento pela agroecologia no Brasil não é um pensamento acadêmico de meia dúzia de professores malucos que querem fazer uma coisa diferente. Ele vem da base da produção, de agricultores, de técnicos de campo…

Célio Yano
Especial para a CH On-line/PR
23/11/2005