Cúpula para repensar o planeta

A cidade do Rio de Janeiro se prepara para sediar, de 20 a 22 de junho, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+20. Dois grandes temas estão na pauta de discussões: a transição para uma economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza e o quadro institucional – instrumentos de governança – para se chegar a tal meta.

Apesar da importância dos temas, há temores de que uma baixa presença de autoridades internacionais enfraqueça o encontro. O governo brasileiro espera que a reunião traga à capital fluminense de 120 a 150 representantes dos 193 países membros das Nações Unidas (ONU), o que a tornaria a maior reunião de cúpula da história. No entanto, a pouco mais de quatro meses da reunião, apenas 30 chefes de Estado confirmaram presença na conferência.

Além disso, o conteúdo do Esboço Zero, versão preliminar do documento base da reunião, é alvo de críticas por apenas encorajar os países a “desenvolver suas próprias estratégias de economia verde” sem estabelecer compromissos vinculantes nem apresentar meios concretos para se chegar ao desenvolvimento sustentável.

Membros da comunidade científica brasileira que têm participado do debate preparatório para o evento mostram preocupação quanto a um possível fracasso da conferência. “Nossas intervenções são em parte contempladas no Esboço Zero, mas ainda falta muito para que o documento represente, de fato, uma mudança no sentido de promover igualdade social inserida em uma real política de sustentabilidade”, diz a secretária-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), a bióloga Rute Gonçalves de Andrade, que representa a entidade na comissão nacional criada pelo governo brasileiro para a Rio+20.

O diretor do Departamento de Políticas e Programas Temáticos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Carlos Joly, aponta um aspecto positivo no Esboço Zero – o reconhecimento da importância da ciência, tecnologia e inovação na promoção do desenvolvimento sustentável –, mas também tem críticas ao documento.  

Carlos Joly: o Esboço Zero falha de forma clamorosa ao não colocar no seu preâmbulo o fato de o planeta ter limites naturais de capacidade de suporte

“Na minha opinião, ele falha de forma clamorosa ao não colocar no seu preâmbulo, onde são definidos os cenários, o fato de o planeta ter limites naturais de capacidade de suporte. Ao não enfatizar esse aspecto, as demais propostas ficam vazias em conteúdo”, diz. Joly, cujo departamento coordena a participação do MCTI na Rio+20, acha que a conferência, para ser bem sucedida, terá de admitir esses limites. 

Já Paulo Artaxo, geofísico membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU e professor da Universidade de São Paulo, ressalta o caráter preliminar do documento. “Como o próprio nome diz, é um ‘esboço zero’, um ponto de partida, e que pode não ter nada a ver com o documento final. A comunidade científica está trabalhando para que a reunião tenha o maior sucesso possível, o que é estrategicamente importante para as próximas reuniões da convenção climática.”

No entanto, Artaxo também já faz algumas ressalvas. Para ele, a inclusão no documento do tema da erradicação da pobreza na discussão sobre a economia verde e as tarefas que temos que executar urgentemente dilui muito o debate sobre as mudanças climáticas. “A problemática da erradicação da pobreza extrapola muito a questão ambiental global e envolve um novo sistema de governança política e econômica global que é muito complexo”, avalia. “Ao incluir esse tema nas discussões, aumentam as chances da reunião não conseguir tirar algo de substantivo em relação à sustentabilidade ambiental de nosso planeta, o que a meu ver teria de ser o foco da reunião”, completa. 

Lago em Camboja
Documento preliminar da Rio+20 sugere discussão ampla sobre a transição para uma economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza. Para especialista da USP, incluir a questão da pobreza tira o foco das metas ambientais. (foto: Atif Gulzar/ Sxc.hu)

Governar e punir

Além da transição para a economia verde, o outro grande tema da conferência – governança – também deverá gerar polêmica na reunião. O Esboço Zero sugere o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente ou, alternativamente, a criação de uma nova agência da ONU dedicada ao tema como forma de garantir o cumprimento de compromissos que os países assumirem nessa área.

O governo brasileiro já se manifestou contra a criação da agência e prefere concentrar a discussão no tema mais amplo do desenvolvimento sustentável, com seus componentes não apenas ambientais, mas também econômicos e sociais.

Apesar da posição oficial, a proposta de criação da agência encontra eco em pesquisadores brasileiros. Paulo Artaxo é um dos que considera bem-vinda a ideia de uma agência que gerencie e regule internacionalmente o uso de recursos naturais e o desenvolvimento sustentável. 

Paulo Artaxo: “De que adianta termos metas de emissões de gases de efeito estufa se os países que não as cumprem não sofrem nenhuma penalidade?”

“A ONU, na verdade, vai ter que criar várias agências para melhorar a governança global”, avalia. Para ele, será necessária a implementação de um sistema jurídico internacional que possa julgar e punir legalmente países que não cumprem metas acordadas internacionalmente.

“De que adianta termos metas de emissões de gases de efeito estufa se os países que não as cumprem não sofrem nenhuma penalidade?”, questiona. “As metas do protocolo de Kyoto não foram cumpridas pela maior parte dos países desenvolvidos e nada acontece. Isso não pode se repetir”, argumenta.

Nova tentativa

Rute Gonçalves de Andrade concorda que não se pode repetir o fracasso do cumprimento de metas firmadas em reuniões de cúpula anteriores, como a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais lembrada como Eco-92, realizada no Rio em 1992.

“Espero que a conferência consiga o que não se conseguiu efetivamente com a Eco-92: conscientizar os governantes e a população sobre a necessidade real e urgente de findar a desigualdade social por meio de uma gestão justa, com base na conservação e uso sustentável dos recursos naturais”, diz a pesquisadora do Instituto Butantan e secretária-geral da SBPC.

Andrade promete divulgar em breve uma proposta para o documento final da Rio+20 com as contribuições recebidas dos membros da diretoria, conselheiros, secretários regionais e presidentes de sociedades científicas associadas à entidade.

Além da SBPC, a Academia Brasileira de Ciências também faz parte da representação da sociedade civil na comissão nacional da conferência. Na opinião de Andrade, a participação da sociedade civil é fundamental para garantir que a Rio+20 não seja esvaziada em seus objetivos de traçar um roteiro que leve a um mundo mais justo e com economia sustentável.

A muitas mãos
O Esboço Zero foi elaborado com base numa consulta pública aberta pela ONU em 2011 com a participação de países, organizações internacionais e da sociedade civil do mundo inteiro. Uma nova versão do documento deverá sair da próxima rodada de negociações preparatórias para a Rio+20, de 7 a 8 de março, em Nova Iorque. A última rodada de negociações antes da Rio+20 acontecerá durante a reunião do Comitê Preparatório (PrepCom), de 13 a 15 de junho, já no Rio de Janeiro.

Margareth Marmori
Especial para a CH On-line/ Copenhague