Da cosmética para a medicina

Muita gente já ouviu falar das ceramidas em propagandas de xampu, mas a utilidade dessas moléculas não se limita à produção de cosméticos. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) conseguiram produzir em laboratório ceramidas que estão sendo estudadas para o desenvolvimento de novos remédios contra a epilepsia.

Essas ceramidas são produzidas naturalmente pela esponja marinha Negombata corticata, que habita o mar Vermelho. Mas esse é um organismo raro, que vive em ambiente de difícil acesso, e a extração de suas ceramidas é dificultada por leis de preservação. “A solução que achamos para estudar as moléculas foi produzi-las aqui mesmo no laboratório”, conta o farmacêutico Fernando Coelho, que coordena o projeto.

O pesquisador explica que, por causa da origem natural, essas ceramidas são muito grandes. Por isso, sua produção em laboratório só foi possível a partir do estudo das moléculas menores que as compõem. “Estudamos a estrutura química dessas moléculas e buscamos matérias-primas que, quando unidas, teriam a mesma atividade das ceramidas produzidas pela esponja”, diz.

Para fazer as moléculas, foram usadas matérias-primas simples e baratas

A equipe produziu, a partir do mesmo material, dois exemplares de um tipo de ceramida. Embora possuam estruturas moleculares diferentes, as ceramidas sintetizadas têm em comum a fração que atua sobre a epilepsia.

Para fazer as moléculas, foram usadas matérias-primas simples e baratas, como o acrilato de metila, insumo empregado na produção de materiais plásticos como o acrílico. Tal composto é amplamente disponibilizado pela indústria química a um baixo custo, o que torna vantajoso seu uso na produção de um anticonvulsivante mais barato do que os disponíveis atualmente.

No processo de produção da ceramida também foram usados um aminoácido natural chamado serina e um composto químico orgânico do grupo amina. Coelho ressalta que o processo de síntese da ceramida usa uma reação química com baixa geração de resíduos químicos. “Tudo que utilizamos pode ser recuperado depois ou faz parte do produto final da reação.”

Ceramidas e epilepsia

Coelho diz que a ideia de estudar as ceramidas da esponja Negombata corticata surgiu depois que pesquisadores egípcios aplicaram essas moléculas naturais em ratos com sintomas da epilepsia. Os ratos que receberam as ceramidas tiveram uma melhora significativa da doença, comparável à de animais tratados com medicamentos convencionais. Além disso, não sofreram efeitos colaterais.

Esponja marinha ‘Negombata corticata’
As ceramidas antiepiléticas são produzidas naturalmente pela esponja marinha ‘Negombata corticata’, organismo raro que habita locais de difícil acesso no mar Vermelho. (foto: Thomas Jundt)

“As ceramidas são tão eficazes quanto os remédios tradicionais, mas sem os graves danos que esses medicamentos causam a órgãos como o fígado, o que as torna muito mais seguras”, revela.

Agora os pesquisadores brasileiros estão testando as ceramidas sintéticas em ratos para verificar se elas têm a mesma atividade das naturais. “Resultados preliminares indicam que as frações sintetizadas têm atividade antiepilética, porém em menor proporção que a do produto natural”, conta Coelho, ressaltando que esse aspecto pode ser melhorado no laboratório.

“Resultados preliminares indicam que as frações sintetizadas têm atividade antiepilética, porém em menor proporção que a do produto natural”

Os testes de toxicidade das ceramidas sintéticas ainda não foram feitos. Mas Coelho acredita que elas também não causariam efeitos colaterais, já que são quimicamente iguais às naturais.

Durante a síntese das moléculas, um problema técnico enfrentado pelos pesquisadores acabou levando à descoberta de um tipo de iminoaçúcar, molécula capaz de inibir uma enzima que aumenta a presença de glicose no sangue. “Apesar de ainda não ter sido amplamente estudada, essa substância pode ser útil no tratamento de diabéticos”, avalia Coelho.

O pesquisador ressalta que ainda há um longo caminho até que esses resultados deem origem a novos medicamentos, seja para tratar a epilepsia ou o diabetes. “Como já descobrimos o que é preciso para sintetizar as moléculas em laboratório, os próximos passos serão os testes em animais para conhecer o funcionamento das substâncias”, esclarece Coelho.

Mariana Rocha
Especial para a CH On-line