Em Porto Alegre, parte do óleo vegetal usado em frituras está ganhando um destino bem mais nobre. Em vez de ir para encanamentos, tubulações de esgoto, rios e solo, o produto se transforma em biodiesel (combustível alternativo e não poluente produzido a partir de recursos naturais). A ideia foi da empresa Socialtec/Pró Meio Ambiente, instalada na incubadora Raiar, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), que apoia projetos de pesquisa e desenvolvimento da instituição.
“Nosso objetivo não é só mitigar o impacto ambiental que o óleo de fritura causa quando lançado na água ou no solo”, diz o químico Ronaldo Silvestre da Costa, coordenador do projeto. “Pretendemos também inserir a comunidade em projetos sociais”, completa. Por isso, segundo ele, é essencial a parceria com escolas, restaurantes, universidades, prefeituras, coletores de lixo reciclável, cooperativas etc.
O óleo coletado pela instituição vai para o Centro Social Marista de Porto Alegre, onde é limpo por meio de decantação e filtrado para a retirada de resíduos. Costa relata que a maior parte do que é adquirido chega em bom estado. Após a limpeza, o produto é colocado em um reator e submetido ao processo químico de transesterificação (ou alcoólise). O nome é complicado, mas a operação nem tanto.
A transesterificação, processo mais usado hoje na produção de biodiesel, é feita via ‘batelada’ (ação não contínua e repetitiva em que todos os reagentes são reunidos de uma só vez), à temperatura de 60 graus. Óleo e álcool (metanol) são misturados, e a mistura é catalisada por soda cáustica e purificada por magnesol. Um litro de óleo pode render até 850 ml de biodiesel. Esse rendimento é considerado muito bom pelos especialistas.
Após a reação, o biodiesel é separado da glicerina que se forma no processo. Considerada um coproduto, ela é aproveitada em outros projetos da Socialtec. A glicerina tem ampla gama de aplicações (na produção de detergentes, cosméticos e medicamentos, por exemplo), mas pode causar danos sérios e irreversíveis se for lançada na natureza de modo irresponsável.
A Socialtec produz hoje cerca de 2 mil litros de biodiesel por mês. Uma parte abastece a frota da empresa que fabrica o equipamento responsável pela transesterificação, e a outra vai para o tanque dos veículos em teste no Laboratório de Motores e Componentes Automotivos do curso de Engenharia Mecânica da PUCRS. Um dos estudos feitos nesse laboratório avalia o desempenho da mistura diesel-biodiesel.
A combinação entre ambos é marcada pela letra B, de blend (que significa ‘mistura’, em inglês). À letra, acrescenta-se o número correspondente ao percentual de biodiesel misturado ao diesel. No Brasil os postos já oferecem a mistura B5 (5% de biodiesel e 95% de diesel), embora essa meta tenha sido projetada para 2013.
Natureza e sociedade agradecem
Fonte renovável e não poluente: essa é apenas uma das vantagens do biodiesel, obtido de óleos vegetais (como os de soja, girassol, milho, canola, amendoim e mamona) ou gordura animal. Sua produção pode também ser fonte de renda para comunidades carentes. Em Santa Catarina, um grupo de pescadores tem abastecido suas embarcações com biodiesel B50, reduzindo custos de produção e mantendo o local, uma área ambiental protegida, ainda mais preservado.
O biodiesel é menos prejudicial ao meio ambiente por não conter enxofre em sua composição, ser biodegradável e emitir gases do efeito estufa em volumes muito inferiores aos lançados pelo diesel ou qualquer outro combustível derivado de petróleo. “No caso do enxofre, a redução chega a 100%”, lembra Costa.
Quanto aos supostos problemas que o biodiesel causa no motor de um carro – exigindo possíveis adaptações –, o engenheiro Carlos Alexandre Santos, coordenador do curso de Engenharia Mecânica da PUCRS, diz que tudo depende da mistura entre os combustíveis. Segundo ele, usualmente as misturas são feitas em proporções volumétricas que variam de 5% a 20% de biodiesel. “No caso da mistura B5, usada no Brasil, não há qualquer necessidade de adaptação nos motores”, garante.
O uso de biodiesel, esclarece Santos, pode reduzir a potência do veículo em 5% e aumentar o consumo de combustível em aproximadamente 2%. “São percentuais muito toleráveis se considerarmos os benefícios que o biodisel oferece ao meio ambiente.” Santos acredita que em até sete anos os postos de abastecimento brasileiros já terão bombas com 100% de biodisel (B100).
Katy Mary de Farias
Especial para a CH On-line / PR