Da pele para o sangue

 

Pouco mais de duas semanas após o anúncio da obtenção de células-tronco por meio da reprogramação de células adultas da pele humana – técnica que dispensa o uso de embriões –, mais um passo foi dado rumo ao emprego dessas células para o tratamento de doenças. Uma equipe norte-americana revela a aplicação bem-sucedida de fibroblastos reprogramados de camundongos com anemia falciforme para gerar células sangüíneas saudáveis nos animais.

A eficácia da técnica para fazer com que células adultas da pele sejam capazes de se diferenciar em vários tecidos já havia sido demonstrada em roedores em julho de 2006 por um dos grupos que conseguiram recentemente reproduzir o feito com células humanas . Os fibroblastos são reprogramados pela introdução de combinações de quatro genes específicos, que levam as células a um estado semelhante ao de células-tronco embrionárias. Mas até agora não havia relatos do uso dessas células-tronco induzidas – como são chamadas – com fins terapêuticos.

A primeira aplicação bem sucedida desse tipo foi apresentada ao público esta semana, em artigo publicado na revista Science . No estudo, os pesquisadores produziram células-tronco induzidas a partir de células da pele do rabo de camundongos modificados geneticamente para apresentar uma versão de anemia falciforme semelhante à que ocorre em humanos. Em seguida, o gene associado à doença foi substituído por uma versão saudável.

Em outra etapa, o grupo verificou que as células induzidas reparadas geneticamente poderiam se diferenciar in vitro em células-tronco hematopoiéticas (capazes de produzir vários tipos de células sangüíneas e imunes). Essas células foram, então, transplantadas para três camundongos doadores e começaram a gerar células sangüíneas saudáveis, revertendo os sintomas da anemia falciforme.

À esquerda, células do sangue de camundongo com anemia falciforme (as setas mostram as hemácias em forma de foice características da doença, que prejudicam o transporte de gases). À direita, células sangüíneas de camundongo oito semanas após o transplante de células-tronco hematopoiéticas derivadas de fibroblastos reprogramados. (Crédito: Science )

Promessas renovadas
Segundo os cientistas, a correção da anemia falciforme descrita nos experimentos indica que o uso terapêutico de células-tronco induzidas reaviva muitas das promessas feitas anteriormente pela clonagem terapêutica. Entre elas, está a oportunidade de reparar defeitos genéticos por meio da troca de fragmentos de DNA e diferenciar repetidamente as células-tronco induzidas no tipo celular desejado para suprir terapias continuadas.

Outro benefício é que não é necessário administrar drogas para prevenir a rejeição de células incompatíveis. “As células transplantadas são geneticamente idênticas às do paciente; de fato, elas são células do paciente”, reforça o pesquisador e co-autor do artigo Tim M. Townes, da Universidade do Alabama em Birmingham (EUA), em entrevista à CH On-line .

Townes diz que, inicialmente, doenças do sangue são mais receptivas à terapia, porque as células corrigidas podem facilmente ser transplantadas para os pacientes. “Contudo, o tratamento para outras doenças, incluindo diabetes, mal de Parkinson e mal de Alzheimer, poderia ser feito, se as células corrigidas puderem ser transplantadas com sucesso para locais específicos do corpo”, acredita.

Mas ainda é preciso superar obstáculos até que as células-tronco induzidas possam ser usadas no futuro para o tratamento de seres humanos. O método de reprogramação celular adotado atualmente usa retrovírus para introduzir os genes nas células, o que pode provocar mutações. “Esse ponto será provavelmente resolvido no próximo ano”, estima Townes.

Outra questão que deve ser considerada é o risco associado ao uso de genes ligados ao câncer para reprogramar as células adultas em células-tronco. “Apesar de nenhum dos camundongos transplantados com células derivadas das células-tronco induzidas ter mostrado evidência de formação de tumor, permanece a possibilidade de que eles se desenvolvam posteriormente, devido aos genes introduzidos que codificam proteínas oncogênicas”, alertam os autores. Além disso, devem ser desenvolvidos métodos seguros para a diferenciação de células-tronco induzidas humanas. 

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
06/12/2007