Das nuvens para o consumidor

Usar a água da chuva pode ser uma boa opção para reduzir o consumo de água. Mas, pelo menos em Belo Horizonte, essa alternativa deve ser vista com cautela. Um estudo realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) verificou os níveis de contaminação da água da chuva coletada na capital mineira e constatou que ela não atende aos padrões de potabilidade do Ministério da Saúde para água destinada ao consumo humano.

A água potável ainda é a melhor opção dos moradores de Belo Horizonte em situações que envolvam a ingestão do líquido

Os resultados, fruto do mestrado da engenheira Manuelle Cardoso na UFMG, indicam que a água potável ainda é a melhor opção dos moradores de Belo Horizonte para escovar os dentes, cozinhar, beber ou para qualquer outra situação que envolva a ingestão do líquido.

Mas isso não significa que a água da chuva não possa ter usos menos “nobres”, como lavar o carro, lavar roupas, regar o jardim ou lavar a calçada, o que seria uma forma de poupar esse recurso natural cada vez mais escasso. “Para atividades que não exijam água potável, tenho certeza que o uso da chuva é válido”, afirma Cardoso.

Captação e armazenamento

Para coletar material para análise em laboratório, Cardoso distribuiu quatro protótipos de sistema de captação e armazenamento nos bairros da Pampulha e do Centro. Em ambos foram colocados um protótipo com telha metálica (aço galvanizado) e um com telha cerâmica.

Além disso, o sistema contava com suporte de madeira, calhas e tubos de armazenamento em PVC. A captação ocorreu durante os meses de março e abril de 2008 e entre agosto de 2008 e janeiro de 2009. Cardoso analisou a concentração de chumbo, ferro e coliformes totais da água, além de sua turbidez, entre outros parâmetros.

Belo Horizonte
A análise dos níveis de contaminação da água da chuva coletada em Belo Horizonte (Minas Gerais) mostrou que ela não é indicada para o consumo humano (foto: Wikimedia Commons).

De forma geral, a água coletada na Pampulha apresentou resultados melhores que a coletada no Centro, um lugar mais poluído. A engenheira notou ainda que a telha metálica tende a deixar a água mais limpa que a telha cerâmica, porque o metal se aquece com maior facilidade, o que elimina microrganismos que possam estar no telhado. A menor rugosidade da telha metálica também pode ser uma característica favorável por dificultar o acúmulo de sujeira sobre o telhado.

Para evitar a contaminação

A pesquisadora explica que é importante limpar regularmente o sistema de coleta da água da chuva (telhado, calhas e reservatório), a fim de evitar a contaminação. Também é recomendável descartar os primeiros milímetros da chuva, pois eles carregam os resíduos que ficam acumulados no sistema de coleta, como folhas, poeira e dejetos de animais.

É importante limpar regularmente o sistema de coleta da água da chuva a fim de evitar a contaminação

O estudo mostrou que a água da chuva captada sem que as primeiras precipitações sejam descartadas não é indicada para o consumo humano por causa da concentração de microrganismos, turbidez e cor incompatíveis com os parâmetros recomendados pelo Ministério da Saúde. Além disso, a poluição atmosférica presente nos grandes centros urbanos também é fonte de contaminação e prejudica a qualidade da água.

Mas, segundo Cardoso, ao se descartar dois litros das primeiras precipitações por metro quadrado de telhado metálico, a água da chuva captada apresentou melhora significativa em sua qualidade. Alguns parâmetros de potabilidade, como pH e presença de chumbo, manganês e da bactéria Escherichia coli, foram atingidos.

Depois de coletada, a água ainda pode ser tratada. A intensidade da purificação vai depender do uso pretendido. “Em Belo Horizonte, por exemplo, para limpeza geral, pode-se desinfetar a água com cloro”, acrescenta Cardoso.

Alternativa econômica

O engenheiro Valter Pádua, orientador de Manuelle Cardoso e professor da UFMG, faz uma estimativa da quantidade de água que poderia ser economizada com o armazenamento da chuva. “Se fosse possível captar e armazenar toda a água de chuva que cai em uma cidade como Belo Horizonte, essa quantidade seria suficiente para atender a demanda de todos os moradores da capital mineira para usos que não envolvam a ingestão.”

A qualidade da água da chuva melhora à medida que o local é mais afastado dos centros urbanos

Ele acredita que a quantidade de água precipitada é considerável mesmo nas regiões semiáridas do país. “Se considerarmos que no Ceará, por exemplo, só chove em média 400 milímetros por ano (embora o valor real seja superior a esse), e caso toda a água de chuva do estado pudesse ser coletada – o que não é viável –, isso já seria suficiente para destinar cerca de 19.500 litros de água todo dia para cada habitante”, estima.

Pádua destaca que a qualidade da água da chuva melhora à medida que o local é mais afastado dos centros urbanos, devido à redução da poluição atmosférica. “Por isso, essa técnica tem sido utilizada no abastecimento de água para consumo humano na zona rural do semiárido brasileiro”, completa.

 

Raquel Oliveira
Ciência Hoje On-line