Em mais um capítulo de uma longa história de mortes, o Instituto Smithsonian noticiou no dia 13 de junho a chegada do fungo Batrachochytrium dendrobatidis ao sul do Panamá. Ele precisou de apenas cinco semanas para eliminar 30 espécies da remota e montanhosa região de El Copé.
Diante de cenários aparentemente catastróficos como esse, herpetólogos costumam se dividir no que diz respeito à análise da gravidade da situação. “Alguns de meus amigos dizem ‘Oh não, estamos perdendo tantas espécies’, enquanto outros dizem, ‘Ah sim, mas isso não é grande coisa'”, conta Andrew Crawford.
Biólogo da Universidade dos Andes, em Bogotá (Colômbia), Crawford explica que para muitos dos locais atingidos pela epidemia, a falta de dados anteriores aos eventos de mortalidade (no Panamá o primeiro aconteceu entre 1987 e 1988) alimenta a dúvida.
Mas não é o caso em El Copé. Lá, dados de sete anos de estudos realizados antes do ataque de B. dendrobatidis permitiram aos pesquisadores uma análise detalhada do impacto do fungo sobre a comunidade de sapos.
“Avaliamos a comunidade de sapos combinando pesquisas de campo de longo prazo e dados de código de barras de DNA, de modo a descrever as mudanças na abundância e na diversidade evolutiva dentro da comunidade de anfíbios de El Copé depois de um evento de mortalidade em massa”, afirma Crawford e colegas na introdução do artigo publicado recentemente na revista PNAS com os resultados das análises.
Resultados preocupantes
A chave da pesquisa está na expressão “diversidade evolutiva”. Crawford usa dois genes específicos – CO1 e 16S – para mapear a ligação entre as espécies de sapos e construir as chamadas árvores filogenéticas, verdadeiros mapas de parentesco dos animais.
O gene CO1, presente nas mitocôndrias, foi escolhido porque o trecho de DNA onde se encontra apresenta altas taxas de mutação entre as espécies, mas baixas taxas de mutação dentro de cada espécie, o que faz com que seja um bom identificador do limite entre elas. Já o 16S foi selecionado por ser já bastante estudado em sapos.
Juntando as informações dos dois genes, Crawford e sua equipe determinaram o grau de parentesco entre as espécies de El Copé. Com essa árvore genealógica em mãos, eles avaliaram se o ataque do fungo foi prejudicial a espécies próximas ou distantes entre si, o que permite dizer se houve perda de diversidade geral do grupo, ou se, apesar da perda de indivíduos, a diversidade genética permaneceu pouco alterada.
Até agora, as análises parecem confirmar a suspeita dos amigos pessimistas de Crawford: 30 espécies foram extintas localmente, cinco das quais não descritas pela ciência. O número representa 41% da diversidade da linhagem local de anfíbios e 33% da história evolutiva dos anfíbios da comunidade analisada.
Outras nove espécies tiveram abundância reduzida entre 85% e 99%, o que as coloca em sério risco. “Talvez dentro do processo evolutivo este seja um fenômeno normal, mas na nossa escala de tempo de trabalho não é”, atesta o pesquisador.
A história de B. dendrobatidis no Panamá começou em 1987, quando foi identificado na cidade de Monteverde. Desde então, o fungo se espalhou para o sul do país em uma taxa de 30 km por ano. “Já ouvimos algumas vezes a pergunta: será que o fungo não está sendo espalhado pelos próprios pesquisadores?”, diz Crawford, sem conseguir esconder um sorriso ansioso. “Acho difícil. O Panamá é um país pequeno, é possível cruzá-lo em um dia usando o mesmo par de botas. Então, a velocidade de 30 km ao ano é muito baixa.”
Leia mais sobre o assunto na seção Opinião da CH 279
Mariana Ferraz
Ciência Hoje On-line/ AM