Um passo importante foi dado para se entender a estratégia de ataque adotada pelo vírus do herpes. Cientistas da Universidade de Michigan (EUA) identificaram em células humanas um receptor viral que funciona como uma ‘tranca’ que o vírus abre para invadi-las. Além disso, também encontraram o gene que controla a produção desse receptor e decifraram alguns aspectos de sua estrutura. Os feitos foram relatados em dois artigos publicados na revista Journal of Virology .
“Já se desconfiava da existência desse receptor”, explica o toxicologista Luiz Querino Caldas, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Sua caracterização é importante para estudar mecanismos de ação contra o vírus”. O receptor ajudará a entender o processo de entrada do vírus na célula e pode até dar origem a um tratamento contra a infecção.
Ao mesmo tempo, uma equipe de pesquisadores italianos encontrou no genoma do HSV a seqüência que codifica uma proteína que funcionaria como uma ‘chave’ que se encaixa perfeitamente no receptor identificado pelos norte-americanos (chamado B5). A descoberta confirma a hipótese dos cientistas de Michigan, que haviam previsto que o vírus adotaria um mecanismo desse tipo para se ligar ao receptor. Não se sabe ainda, no entanto, como essa ligação se estabelece nos diferentes tipos de célula que o vírus é capaz de invadir.
O estudo norte-americano foi feito com células do rim de um porco, que não apresentam o receptor B5 e, portanto, não são vulneráveis à infecção pelo vírus do herpes. “Algumas células e tecidos suínos são ótimos parâmetros para pesquisas com xenotransplantes e de infecções na pele humana, devido a uma série de características semelhantes”, explica Luiz Querino. “Nesse caso, a sabida ausência do receptor B5 iria facilitar a seqüência da investigação.”
A equipe norte-americana isolou a seqüência de DNA responsável pela síntese do receptor e fez com que a célula suína expressasse esse gene e se tornasse vulnerável à contaminação pelo HSV. Os cientistas criaram então em laboratório uma proteína similar a uma pequena região funcional do B5, capaz de ‘enganar’ o vírus do herpes e evitar seu acoplamento à célula. O novo receptor sintético enganou o HSV e bloqueou a infecção viral tanto em células de porco modificadas quanto em células humanas.
Os pesquisadores também identificaram detalhes da estrutura do B5. Esse receptor de formato espiralado está presente na maioria das células do corpo humano, o que faz com que o vírus se instale com facilidade. No entanto, ainda não se sabe qual é sua função original.
A descoberta traz novo ânimo na busca de um tratamento contra o herpes, doença que afeta de 20 a 45% da população brasileira. Atualmente, existem apenas drogas que aliviam os sintomas da doença – como o medicamento recém-desenvolvido no Centro de Pesquisa Clínica da UFF a partir do extrato de uma planta brasileira, a unha-de-gato.