Descobertos fósseis conservados no Nordeste

 

Pesquisadores trabalham para retirar o material da cacimba. Atrás, é possível ver a camada de ossos e sedimentos, que tem três metros de altura e 500 metros quadrados de área. 

Um depósito com sedimentos e ossos de animais com no mínimo 50 mil anos de idade foi achado no município de Brejo da Madre de Deus, a 180 quilômetros de Recife, no agreste pernambucano. São fósseis de mamíferos de grande porte como mastodontes, preguiças, tatus gigantes, parentes de hipopótamos e de elefantes. A camada de ossos fossilizados está intacta: ela tem cerca de 1 metro de espessura e cobre uma área de até 500 metros quadrados. O material está sendo analisado por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade de São Paulo (USP).

O estudo da composição e a datação dos sedimentos e dos fósseis permitirão reconstituir a fauna, o clima e a paisagem do semi-árido no Pleistoceno e no Holoceno (épocas do tempo geológico que compreendem os últimos dois milhões de anos), bem como os hábitos alimentares dos animais. Além disso, a descoberta pode esclarecer se houve ou não uma convivência entre o Homo sapiens e a megafauna – como são conhecidos os grandes mamíferos que viveram nesses períodos – no semi-árido nordestino.

“É a primeira vez que temos esse tipo de material preservado para estudar a região do semi-árido”, disse Antônio Carlos Corrêa, orientador do Grupo de Estudos do Quaternário do Nordeste da UFPE. “Geralmente apenas fragmentos dos ossos e dos sedimentos chegam até nós, o que não permitia uma análise apurada das datas.”

A datação é essencial para que se descubra como e quando os sedimentos e fósseis chegaram à cacimba – depressão do terreno no meio de rochas na qual o material foi encontrado. As amostras coletadas se depositaram com o passar do tempo e podem ajudar a entender como eram a fauna, a flora, o clima e a paisagem do Nordeste em várias épocas.

Os pesquisadores encontraram também uma camada de calcrete (cascalho calcífero) no interior da cacimba, material que pode ajudar a estabelecer a temperatura da região na época em que se formou. “Quando o calcário se forma no solo, temos a evidência de que há uma aridez intensa típica de áreas desérticas”, disse o professor. “Além disso, essa substância tem oxigênio em sua estrutura, que será um marcador importante para medir a temperatura durante a formação dos sedimentos”.

Na cacimba natural de quatro metros de profundidade, os pesquisadores recolhem amostras de sedimentos e fósseis para análise posterior em laboratório. 

El Niño
Também existem evidências de que os sedimentos mais recentes contêm registros de eventos do tipo El Niño de até três séculos de duração, típicos da região nos últimos 10 mil anos. O El Niño é um fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento das águas do oceano Pacífico que já causou grandes secas no Nordeste. Atualmente os episódios mais intensos duram até três anos.

No semi-árido australiano essa hipótese já está confirmada, mas a pergunta ainda persiste para o semi-árido brasileiro. “Os sedimentos encontrados indicam que as paisagens do semi-árido estão passando por mudanças abruptas, o que nos leva a crer que a região passou por momentos de clima muito mais árido e úmido que o presente. Eles se comportam como se um El Niño muito longo estivesse influenciando o clima da região”, constatou o professor. “Isso tudo está acontecendo em um passado geológico recente, portanto de grande interesse para a compreensão das mudanças climáticas atuais.”

Para a pesquisadora Alcina Barreto, orientadora do Laboratório de Paleontologia da UFPE, a descoberta dos fósseis serve de alerta para que a sociedade tenha mais cuidado com a riqueza arqueológica existente no Nordeste. “Esses depósitos, típicos da região, estão em áreas depredadas. As pessoas geralmente escavam para obter água”, disse a geóloga. “A população em geral não sabe que fósseis são patrimônio da humanidade e que temos que pesquisar e divulgar isso.”

Franciane Lovati
Ciência Hoje On-line
26/04/2006