Desmatamento ameaça equilíbrio climático

A devastação da floresta amazônica e da caatinga pode tornar o clima da zona tropical da América Latina definitivamente mais seco. Isso é o que apontam simulações do clima e da vegetação do planeta realizadas no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), em Cachoeira Paulista (SP).

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Segundo monitoramento via satélite do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais, quase 15% da Amazônia já havia sido desmatada em 2000

As projeções foram feitas com o auxílio de um modelo climático pelo engenheiro de infra-estrutura aeronáutica Marcos Daisuke Oyama, do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), para seu doutorado sob orientação do climatologista Carlos Nobre. O funcionamento do modelo é similar ao de jogos de computador que simulam a evolução de cidades e civilizações, como o SimCity . “A diferença é que existe bem menos interatividade, pois as regras do jogo são regras naturais”, disse Oyama. O estudo foi aceito para publicação na revista Geophysical Research Letters .

O modelo climático simula a evolução de parâmetros como temperatura, vento, umidade ou chuvas para áreas de 200 km x 200 km em que a Terra foi dividida. Uma simulação inicial de 10 anos foi realizada para verificar o clima médio de cada uma delas.

Em seguida, foram feitas duas simulações de 15 anos em condições iniciais diferentes: uma com o planeta coberto por deserto, e outra, por floresta tropical. A cada três anos de simulação, obtinha-se um novo clima e cada região ficava tomada por uma vegetação mais adequada a esse clima.

Ao fim de 15 anos, foram encontrados dois estados de equilíbrio entre clima e vegetação para a América do Sul. Um deles é equivalente ao estado atual — em que o Norte-Nordeste do Brasil é ocupado por uma grande floresta equatorial e áreas de caatinga –, e o outro, mais seco. “Trabalhos teóricos anteriores já apontavam a possibilidade de existência de um outro estado de equilíbrio na Amazônia, mas nenhuma simulação a havia ratificado”, diz Oyama.

 

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Vegetação atual da Amazônia (a), vegetação potencial (b) – influenciada apenas pelo clima -, e o novo estado de equilíbrio (c), mais seco

No novo estado de equilíbrio, a floresta seria reduzida e sua vegetação constituída de árvores de menor porte. Apareceriam também áreas de semi-deserto no Nordeste, no lugar da caatinga. O engenheiro alerta que, atingido o novo equilíbrio, os mecanismos naturais não fariam a vegetação do Norte-Nordeste voltar a ser a mesma de hoje.

 

O estudo não indica o tempo necessário para essa mudança. “Como adotamos um modelo de vegetação que se ajusta ‘instantaneamente’ a mudanças de clima, reduziu-se o tempo necessário para o sistema vegetação-clima atingir um estado de equilíbrio”, diz Oyama. Da mesma forma, o modelo não prevê a proporção de desmatamento para que se atinja o novo equilíbrio.

Na Amazônia, a devastação — que chega a 15% — ocorre em grandes proporções nas fronteiras sul e leste — a área mais vulnerável à savanização indicada pelo estudo. A situação da caatinga não é diferente. Ali, o desmatamento chega a mais de 10%, de acordo com relatório do Ministério do Meio Ambiente de 2000.

A manutenção dessa tendência pode fazer com que o Norte-Nordeste passe de um estado de equilíbrio para outro. “A mudança na vegetação, provocada pela ação antrópica, seria capaz de gerar essa mudança climática”, alerta Oyama.

Liza Albuquerque
Ciência Hoje On-line
04/12/03