Desmatamento politicamente correto?

Estudo realizado durante 22 anos em fragmentos da floresta amazônica indica que o desmatamento que deixa diversas e pequenas áreas de mata é muito mais danoso às árvores do que aquele em que restam poucas e grandes áreas verdes.

Já que é tão difícil acabar com o desmatamento, como fazê-lo de forma a proteger as árvores restantes desse processo? Essa é a principal questão abordada por um estudo de instituições de diversos países, inclusive do Brasil, que resultou no maior banco de dados já coletado sobre a dinâmica de comunidades de árvores em fragmentos florestais. A avaliação identifica o impacto provocado pelo desflorestamento em áreas da Amazônia e sugere uma forma de desmatamento menos danosa para as árvores.

Os pesquisadores realizaram o maior e mais duradouro estudo experimental sobre o tema, com a análise do impacto sofrido por esses fragmentos de mata ao longo de 22 anos. Os resultados, publicados nesta semana na revista norte-americana PNAS , indicam que o desmatamento que deixa diversas e pequenas áreas de mata é muito mais danoso às árvores do que aquele em que permanecem poucas, porém grandes, áreas verdes.

Isso acontece porque a parte mais externa do fragmento restante (os primeiros 100 metros da margem de floresta a partir da área desmatada) é um ambiente hostil e desprotegido, com umidade baixa e temperaturas mais altas do que no centro da mata. Segundo o estudo, essa porção de floresta apresentou mudança abrupta, mortandade acelerada e extinção local de algumas espécies de árvores de grande porte. Também se pôde observar que essas árvores foram substituídas por outras mais comuns de menor porte (chamadas de pioneiras), amplamente distribuídas.

O botânico Henrique Nascimento, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e um dos brasileiros responsáveis pelo trabalho, explica que essas árvores pioneiras têm vida curta (cerca de 30 anos), se comparadas às de grande porte, que viveriam em torno de 400 anos em seu hábitat natural. “Enquanto as pioneiras estão vivas, protegem as outras no interior da mata fragmentada”, conta. “Porém, quando morrem, essa proteção é quebrada; então, as árvores mais antigas no interior dos fragmentos florestais também começam a ser afetadas e o efeito do desmatamento vai aumentando.”

Quando os fragmentos restantes são muito pequenos e isolados, não existem sementes suficientes para renovar todas as espécies de árvores da floresta e restabelecer o seu ciclo. “Por isso, acredito que, depois de muitos anos, com a morte das árvores pioneiras que protegem a mata, todos os pequenos fragmentos serão tomados pelo desmatamento”, conclui Nascimento. “Já os fragmentos maiores, com menos área exposta às beiradas desmatadas, têm mais chances de restabelecer o ciclo em seu interior.”

A pesquisa foi realizada em áreas de floresta intacta (usadas como controle) e em nove fragmentos de floresta isolados para dar lugar a três fazendas de criação de gado em seu entorno. Situadas a 80 km de Manaus (Amazonas), as áreas medem de 1 a 100 hectares (totalizando mil Km 2 ), nos quais foi realizado o monitoramento individual de cerca de 70 mil árvores a cada cinco anos, método que forneceu informações detalhadas do impacto sofrido.

Mas o projeto está longe de ser finalizado. A próxima coleta de dados será iniciada em janeiro de 2007, quando o estudo completará, então, 28 anos. Nascimento ainda acrescenta: “Vou trabalhar nele enquanto estiver vivo e as condições me permitirem.”

Marina Verjovsky
Ciência Hoje On-line
28/11/2006