Destruição ambiental na mira das lentes

“O mundo desmorona e pessoas fotografam pedras.” Assim, o fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004) criticou colegas que se dedicavam ao registro da natureza na década de 1930. Para ele, isso significava descompromisso com problemas sociais causados, por exemplo, pela crise econômica e pela ascensão do nazismo.

Nos dias de hoje, o meio ambiente e os efeitos da sua destruição se destacam como uma preocupação mundial. Diante desse quadro, um projeto desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) uniu ciência e arte para alertar sobre a importância de discutir as questões ambientais.

Em sua tese de doutorado apresentada na Escola de Belas-artes (EBA) da UFMG, o fotógrafo e professor Paulo Baptista desenvolveu um modelo de mapeamento fotográfico que foi aplicado na serra do Espinhaço, que se estende pelos estados de Minas Gerais e Bahia. Juntando fotografia e geografia, ele documentou os principais problemas ambientais da região. “Fotografar a paisagem tornou-se uma opção política”, resume o pesquisador, em referência à polêmica frase de Cartier-Bresson.

“Fotografar a paisagem tornou-se uma opção política”

Em seu trabalho, Baptista registrou imagens de áreas em transformação. Próximo a Diamantina (Minas Gerais), fotografou trechos da Estrada Real ameaçados por um processo de alargamento e asfaltamento. “A modificação pode resultar em alterações significativas para o meio ambiente e o modo de vida das pessoas da região, em função do aumento da circulação de veículos”, afirma o pesquisador.

Já no extremo sul da serra do Espinhaço, a preocupação foram os projetos de extração mineral e expansão urbana. Na chamada serra do Gandarela (próxima a Belo Horizonte e Ouro Preto), fica a última reserva significativa de mata atlântica do Quadrilátero Ferrífero, região mais rica de Minas Gerais e principal área produtora de minério de ferro no Brasil.

Baptista acrescenta que a serra do Gandarela também abriga um geossistema extremamente frágil e essencial para os aquíferos que abastecem a maior parte da região metropolitana de Belo Horizonte. “Existe um projeto do Ministério do Meio Ambiente de transformar o lugar em um parque nacional para garantir sua preservação e a qualidade de vida dos habitantes da região”, informa.

Mapeamento em alta resolução

Para obter imagens mais detalhadas, Baptista desenvolveu um modelo de fotografia digital de alta resolução, todo voltado para o trabalho de mapeamento. “Usei o equipamento do Laboratório de Documentação Científica por Imagem da EBA para alcançar essa qualidade”, conta o pesquisador.

Mapeamento fotográfico
Paulo Baptista em ação: a fotografia digital de alta resolução é obtida a partir de um computador portátil ligado a um ‘scanner’ digital. Essa é a principal ferramenta usada no mapeamento fotográfico da serra do Espinhaço. (foto: Luiza Vianna)

As fotos foram feitas com uma câmera capaz de registrar quadros extensos com qualidade superior à dos equipamentos usados normalmente. Um scanner digital foi acoplado à máquina no lugar dos tradicionais filmes de chapa, que costumam registrar a imagem nesse tipo de câmera.

Com isso, foi possível obter fotos com até 108 megapixels de resolução em um único clique, quase dez vezes mais do que o registro das câmeras comuns. Segundo Baptista, o resultado foi uma imagem mais limpa e com cores mais puras. “Assim, a análise de pequenos detalhes torna-se bem melhor”, explica.

Além disso, foi usada a técnica de composição de imagens, em que várias fotos isoladas são reunidas para formar um panorama maior.

“Associada ao uso de processos de georreferenciamento (como a definição das coordenadas de alguns pontos de referência das imagens obtidas e a implementação de métodos para incluir as fotografias em sistemas de informações geográficas como o Google Earth), a técnica permite montar uma base de dados útil para pesquisas nas áreas de geociências e ciências ambientais”, destaca o pesquisador.

Composição de imagens
Uma das técnicas usadas no projeto foi a composição de imagens, na qual várias fotos isoladas se juntam para formar um panorama maior. (foto: Paulo Baptista)

A iniciativa de Baptista foi pensada para ser um projeto de refotografia, em que são tiradas novas fotos de um lugar já registrado anteriormente para comparação – como o Third View, coordenado pelo fotógrafo norte-americano Mark Klett. Foram usadas na pesquisa imagens de ferramentas digitais como o Google Maps e o Google Earth. “Nesses sites, pude fazer a previsão de pontos de interesse nos quais trabalhei posteriormente”, explica.

Com novos equipamentos, o pesquisador pretende continuar o mapeamento e incluir áreas da serra do Espinhaço ainda não fotografadas. “A ideia é produzir registros de agora em diante, já que não há muitos trabalhos acadêmicos anteriores na mesma linha nessa região”, diz.

Saulo Pereira Guimarães
Ciência Hoje On-line