Desvendado o mistério das Treze Torres

Os incas, que povoaram o Peru e se expandiram pela cordilheira dos Andes nos séculos 15 e 16, são conhecidos pelo culto ao Sol e pelas observações astronômicas refinadas que regulavam seu calendário. Mas um estudo indica que, quase dois mil anos antes, um outro povo, que habitou a região desértica da costa norte do Peru, já praticava observações solares de grande sofisticação.

Ruínas das Treze Torres, em Chankillo, na costa norte do Peru. Monitorada a partir de dois pontos de observação precisos, essa estrutura permitia medir o ponto do horizonte em que o Sol nascia e se punha ao longo do ano (fotos: Ivan Ghezzi).

Em artigo publicado na Science desta semana, dois pesquisadores mostram que ruínas da região de Chankillo eram provavelmente o mais antigo observatório solar das Américas. Eles sustentam que o conjunto conhecido como as Treze Torres, que intrigava arqueólogos desde o século 19, era usado para medir o ponto do horizonte em que o Sol nascia e se punha ao longo do ano e, assim, definir datas importantes do calendário religioso.

As enigmáticas treze torres foram construídas alinhadas na direção norte-sul no topo de uma pequena colina. Elas têm altura variada (de 2 a 6 metros), mas a distância entre elas é bastante regular – cerca de 5 metros. Em torno delas, havia todo um complexo arquitetônico, que incluía uma fortificação protegida por muralhas espessas e portais de acesso.

Datações por carbono-14 indicam que as ruínas foram construídas há aproximadamente 2.300 anos – cerca de seis séculos antes do surgimento dos primeiros estados complexos conhecidos no norte do Peru. Entre os vestígios arqueológicos encontrados no complexo arquitetônico, estavam potes e estatuetas de cerâmica, prováveis oferendas de um ritual religioso. Já havia sido proposto que o conjunto era usado como uma fortificação, como um templo e até como o palco de batalhas.

Observações do Sol
No entanto, o arqueólogo Ivan Ghezzi, da Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP), acreditava que as ruínas tinham possivelmente uma função astronômica. Para ratificar sua hipótese, ele convocou o arqueoastrônomo Clive Ruggles, da Universidade de Leicester, no Reino Unido. A dupla identificou, nos conjuntos arquitetônicos construídos dos dois lados das torres, dois pontos que pareciam construídos para monitorá-las. Os dois postos de observação estavam situados em posições simétricas, a 200 metros das torres, e permitiam uma visão de conjunto dessas estruturas.

Nascer do Sol fotografado do posto de observação oeste no solstício de junho em 2003. Nessa data, o Sol nasce sobre a torre mais à esquerda do observador.

Ghezzi e Ruggles trataram então de medir o ponto do horizonte em que o Sol nascia e se punha há 2.300 anos, visto a partir dos dois postos de observação. Os resultados foram impressionantes: visto do posto oeste, o Sol nascia exatamente sobre a primeira torre à direita no solstício de dezembro. À medida que o ano progredia, o ponto em que ele nascia se deslocava para a esquerda, até chegar à última torre, no solstício de junho. Um padrão similar foi verificado em relação ao pôr do Sol, visto do posto de observação leste.

Os pesquisadores acreditam que os pontos de observação eram usados para monitorar o nascimento e o pôr do Sol no horizonte ao longo do ano. Esse padrão serviria para determinar a data de cerimônias e rituais religiosos e outros eventos importantes do calendário.

Eles têm pouca dúvida sobre a interpretação que propõem. “‘Explicações’ astronômicas podem se encaixar facilmente com alinhamentos preexistentes e sugerir indícios de intencionalidade”, afirma a dupla no artigo. “Mas encontramos indicações diretas dos quatro pontos do nascer e pôr do Sol nos dois solstícios, que são eventos de grande importância em várias culturas.” 

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
01/03/2007