Diferentes por quê?

Quem conhece irmãos gêmeos monozigóticos (idênticos) sabe que, apesar de iguais em genoma – e, portanto, na aparência –, são completamente diferentes em personalidade. Saber por que isso acontece mesmo quando ambos crescem em um mesmo ambiente pode ajudar a entender o que, além da combinação de genes, torna cada pessoa única no mundo.

Um grupo de pesquisadores alemães partiu justamente da comparação entre gêmeos idênticos para buscar a resposta. Em teste com camundongos, concluiu que há individualização, ainda que se desenvolvam em ambientes iguais, e que o motivo para isso seria a plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade do cérebro de se adaptar a novas funções.

“Sabemos que todos temos um cérebro individual”, diz o médico Gerd Kempermann, um dos autores do estudo, publicado na edição de amanhã (10/05) da Science. “Mas como o formamos?” O experimento foi feito com 40 camundongos geneticamente idênticos, expostos exatamente ao mesmo ambiente. Seus cérebros foram monitorados eletronicamente durante três meses.

Kempermann: “Sabemos que todos temos um cérebro individual. “Mas como o formamos?”

“Estávamos interessados em um tipo particular de plasticidade cerebral, o surgimento de novos neurônios [neurogênese] no hipocampo de cérebros adultos”, explica Kempermann, que tem vínculos com a Universidade Tecnológica de Dresden e o Centro Alemão para Doenças Neurodegenerativas, na mesma cidade. Ele ressalta que, diferentemente de outros tipos de plasticidade, como o nível de sinapses (conexões neuronais), a neurogênese pode ser facilmente quantificada.

Durante os três meses, todos os comportamentos dos camundongos foram gravados e analisados pelos pesquisadores. A atividade exploratória dos roedores divergiu ao longo do tempo, resultando no aumento das diferenças individuais. “Apesar de crescerem em um mesmo ambiente, as possibilidades de explorá-lo eram tantas que cada um teve experiências únicas.”

O conhecimento cumulativo sobre o território esteve diretamente relacionado com as diferenças na formação de neurônios no hipocampo, região do cérebro considerada a principal sede da memória e importante componente do sistema límbico, responsável pelas emoções e comportamentos sociais. Animais que percorreram maiores distâncias, ou seja, que tiveram mais desafios cognitivos, tinham mais neurônios ao fim do experimento.

“Pela primeira vez foi criado um modelo animal para estudar como a plasticidade cerebral está relacionada com comportamentos individuais”

A pesquisa não foi, portanto, sobre gêmeos, mas sobre o processo que torna qualquer pessoa individualmente única. “Pela primeira vez foi criado um modelo animal para estudar como a plasticidade cerebral está relacionada com comportamentos individuais”, diz Kempermann. “Embora essa ideia seja antiga e intuitiva, não havia dados concretos sobre essa relação.”

Individualização

Em artigo publicado na mesma Science, Olaf Bergmann e Jonas Frisén, do Departamento de Biologia Celular e Molecular do Instituto Karolinska, na Suécia, analisam positivamente o trabalho. “Acreditou-se durante muito tempo que o sistema de plasticidade nervosa envolvia apenas a modulação de contatos entre neurônios preexistentes, mas essa visão está mudando”, escrevem.

Os neurônios são formados em sua maior parte apenas até pouco tempo depois do nascimento de um mamífero, com exceção dos que constituem duas pequenas áreas do cérebro: o bulbo olfatório e o hipocampo. No caso humano, não há registro de neurogênese na primeira.

“A relação entre neurogênese em cérebros adultos e individualização sustenta a ideia de que uma das funções chave do surgimento de novos neurônios em adultos é modelar a conectividade neuronal no cérebro de acordo com as necessidades individuais.”

Hipocampo
Localização do hipocampo (em vermelho) em um corte do cérebro visto de cima, com a frente na parte superior da imagem. Formação de novos neurônios nessa estrutura está diretamente relacionada com a quantidade de desafios cognitivos enfrentados por uma pessoa. (imagem: Washington Irving/ Wikimedia Commons)

Para Kempermann, a importância do trabalho está em apresentar um novo argumento de que a neuroplasticidade é o que nos individualiza. “Nossa descoberta trata do mistério e da controvérsia de como ambientes diferentes ou os modos como vivemos nossas vidas nos transformam em quem somos.”

Clique aqui para ler o texto que a Ciência Hoje das Crianças preparou sobre esse assunto.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR