Dinheiro na mão, risco de infecção

Deve-se lavar bem as mãos antes de comer, depois de ir ao banheiro e sempre que mexer com o dinheiro. Essas normas de higiene, que nos remetem aos aprendizados de infância, mais do que nunca devem ser respeitadas. Pela primeira vez no Brasil, uma pesquisa comprova a contaminação de notas de real por microrganismos (fungos, bactérias e leveduras): praticamente uma em cada três cédulas contém micróbios causadores de doenças. A descoberta, feita por Diego Pinho, Antônio Ayres e Fernando Machado-Jr, no Instituto de Pesquisas Biomédicas da Universidade Gama Filho (RJ), pode orientar alternativas do Banco Central para melhorar a qualidade de nossas cédulas.

null

Uma cédula de 1 real provavelmente contém cerca de 30,4 microrganismos por cm2 ou até 83.900 por cédula

 

Os cientistas avaliaram notas que estavam em circulação no município do Rio de Janeiro e chegavam ao acaso às suas mãos. “Não queríamos escolher pontos específicos da cidade para fazer a coleta porque o nível sociocultural de cada bairro influenciaria o resultado”, diz o microbiologista João Carlos Tórtora, coordenador da pesquisa. “A contaminação seria maior em regiões com poucas condições de higiene e saneamento básico.”

Para calcular a quantidade de microrganismos, a equipe colocou as notas em uma superfície esterilizada, passou cotonete contendo soro fisiológico esterilizado e depositou o material coletado em um tubo de ensaio. A média de microrganismos encontrados por cm 2 de cédula foi de 30,4 para as 50 notas de 1 real analisadas; 8,2 nas 30 cédulas de 10 reais de papel e 4,6 para as outras 30 notas de 10 reais de plástico.

As bactérias mais freqüentes foram as do gênero Staphylococcus , presentes em 82 notas. Dessas, 38 continham uma espécie capaz de causar infecções ao homem: a S. aureus , presente nas cavidades úmidas do corpo humano (narina, ouvido, boca e vagina) em aproximadamente 40% da população. O micróbio não causa risco à saúde em contato direto com a pele, mas se penetrar no organismo através de lesões ou dos poros, pode provocar acne, furúnculo, terçol, otite ou sinusite. Alcançando a corrente sangüínea, é capaz de causar septicemia, infecção que pode levar à morte.

 

null

Bactérias Staphylococcus aureus são algumas das mais facilmente encontráveis em cédulas de real

“Para evitar a contaminação, o recomendado é sempre lavar as mãos depois de manusear o dinheiro”, diz o microbiologista Alexandre Adler, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Segundo ele, muitas pessoas põem em risco a saúde ao ingerir alimentos sem antes lavar as mãos. “A bactéria pode passar do dinheiro para os alimentos e penetrar no organismo através da boca”.

 

Além da Staphylococcus aureus , os cientistas encontraram fungos e leveduras em 10% das notas e bactérias fecais (enterococos) em 3,6%. Segundo Tórtora, a descoberta pode orientar novas leis trabalhistas — pessoas que trabalham com dinheiro podem reivindicar direitos por estarem em contato com algo contaminado — e mudanças nas notas de real. “O Banco Central estuda alternativas como envernizar as cédulas, diminuir o tempo de circulação da nota de um real, ou esterilização das notas por irradiação.”

Sarita Coelho
Ciência Hoje on-line
29/10/01