Diversidade insuspeita

 


Comunidade de microrganismos que habitam as folhas de árvores da mata atlântica (fotos: Robinson Moresca de Andrade / PPG Microbiologia Agrícola – Esalq/USP).

Resultados preliminares de um estudo feito por quatro pesquisadores brasileiros e um norte-americano indicam que 97% das espécies de bactérias identificadas nas folhas das árvores da mata atlântica são desconhecidas pela ciência. Os dados sugerem que, apenas nesse bioma, pode haver até 13 milhões de espécies de bactérias, ou quase três mil vezes mais do que o total conhecido hoje – e isso porque só restam 8% da superfície original da mata atlântica.

As conclusões foram publicadas em um artigo na Science de 30 de junho, assinado por cientistas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), vinculada à Universidade de São Paulo (USP), e da Universidade da Califórnia em Riverside (EUA).

Segundo um dos coordenadores do trabalho, o microbiologista Marcio Rodrigues Lambais, do Departamento de Ciência do Solo da Esalq, foram utilizadas no estudo folhas de nove espécies de árvores da mata atlântica. Por meio de um tratamento com ultra-som chamado de sonicação, os pesquisadores removeram todas as células microbianas aderidas à superfície das folhas e submeteram-nas a uma análise genética.

Para estudar o material genético apenas das bactérias, eles amplificaram um fragmento de gene presente unicamente nelas e depois separaram, em um gel, os produtos gerados. Em um primeiro momento, eles puderam apontar padrões semelhantes nas comunidades bacterianas em plantas da mesma espécie.

Em seguida, foi feito um estudo mais detalhado, com fragmentos maiores desse material genético, desta vez com apenas três espécies de plantas. Foram encontradas entre 95 e 671 espécies de bactérias, das quais apenas 0,5% eram comuns a todas as árvores estudadas, o que indica que plantas diferentes abrigam comunidades bacterianas significativamente distintas.

O estudo mostrou que as folhas de árvores de espécies diferentes abrigam comunidades bacterianas significativamente distintas.

Milhões de espécies
Se esses resultados forem extrapolados para toda a flora da mata atlântica – estima-se que ela tenha cerca de 20.000 espécies vegetais –, obteremos um surpreendente total de 2 a 13 milhões de espécies de bactérias, uma estimativa que supera em muito as 4,5 mil caracterizadas até hoje. “Imaginamos que seja um número ainda maior, ao considerarmos que só foram analisadas folhas da mesma idade, no mesmo local e época do ano”, destaca Lambais. “Também não sabemos como essas comunidades se alteram com os diversos fatores ambientais.”

O artigo publicado na Science relata apenas as primeiras conclusões da equipe. No momento, eles já começaram o levantamento bacteriológico em um número maior de espécies de plantas em outras áreas da mata atlântica. “Um dos objetivos futuros do trabalho é explorar essas comunidades bacterianas. Cultivá-las, investigar se elas produzem alguma substância de interesse farmacêutico ou agrícola e determinar seu papel ecológico”, diz Lambais. “As possibilidades são tantas que, quanto mais dados obtemos, mais se abre o leque de aproveitamento desses microrganismos.” 

Marina Verjovsky
Ciência Hoje On-line
29/06/2006