Dividir não é a solução

 

 Manter fragmentos florestais em propriedades rurais nem sempre significa proteger a natureza de modo eficaz. Ao combinar áreas de pastagens e lavouras, por exemplo, a trechos isolados de mata, o proprietário pode causar um mal muitas vezes irreparável à biodiversidade local — como tem ocorrido com freqüência na região amazônica.

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Aves das espécies Pipra pipra (esq.) e Hypocnemis cantator capturadas durante o estudo (fotos: Philip Stouffer)

Uma pesquisa de campo realizada entre 1979 e 1992 no distrito agropecuário de Manaus (a 80 km da capital amazonense) mostrou que, em fragmentos florestais com até 10 hectares, cerca de 50% da biodiversidade pode se perder em menos de 15 anos. A conclusão, relatada em 25 de novembro na revista Proceedings of the National Academy of Sciences , é de cientistas de vários centros de pesquisa norte-americanos e do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Durante o estudo, foram realizadas cerca de 21.600 capturas de aves de 164 espécies, que serviram como indicadores dos danos ecológicos nos fragmentos de mata selecionados — de um, 10 e 100 hectares.

Mas por que as aves? Essa escolha não foi por acaso, segundo o biólogo Gonçalo Ferraz, pesquisador da Universidade Duke (EUA) e um dos autores do estudo. Além de haver uma grande população desses animais, é mais fácil identificar e monitorar aves do que insetos ou plantas. “Quanto mais espécies, mais informação”, justifica. “Cada ave pode responder de forma singular às alterações ambientais e nos ensinar algo diferente.”

Os pesquisadores estimaram o número de espécies presentes em cada pedaço de mata por meio de capturas anuais. Para reduzir eventuais imprecisões, adotaram três métodos distintos de análise. “Às vezes, podemos visitar um lugar e não ver alguma espécie que, de fato, esteja presente. Pensar que, por isso, ela estaria extinta seria precipitado demais — embora seja uma possibilidade”, considera Ferraz.

Ao fim dos trabalhos em campo, foram desenhadas curvas de perda de espécies nos fragmentos segundo cada método de análise, nas quais os pesquisadores verificaram que a redução de biodiversidade depende do tamanho do trecho de mata. “De acordo com um dos métodos, um dos fragmentos de um hectare perdeu metade das espécies de aves registradas em menos de dois anos — tempo insuficiente para implantar estratégias de recuperação”, conta o biólogo.

Isolados de suas fontes de alimento ou abrigo, muitos animais não sobrevivem a intervenções radicais nas paisagens. Por isso, embora o governo federal regulamente a conservação de trechos de mata nativa dentro das propriedades rurais, o biólogo sugere que as áreas preservadas tenham um tamanho mínimo determinado, como se fossem corredores verdes. Segundo o biólogo Thomas Lovejoy, idealizador do PDBFF, a quantidade de espécies perdidas é inversamente proporcional à extensão dos fragmentos.

O próximo desafio é entender as características ligadas à vulnerabilidade das espécies. “Queremos saber que tipo de ave resiste mais ou menos aos efeitos do desmatamento”, diz Ferraz.

Andreia Fanzeres
Ciência Hoje On-line
23/12/03