Do além

O fantasioso enredo de Jurassic Park, em que cientistas trazem à vida dinossauros extintos há milênios a partir de resquícios de DNA, parece estar mais próximo da realidade. Nenhum réptil gigante foi clonado ainda, mas pesquisadores australianos anunciaram ter conseguido obter em laboratório embriões de uma rã extinta há 30 anos.

O animal em questão é o Rheobatrachus silus, habitante das montanhas australianas que foi visto pela última vez nos anos 1980. A rã não tem o mesmo apelo popular que os dinossauros, mas era, sem dúvidas, uma criatura bizarra. A fêmea da espécie engolia os ovos, que eram chocados em seu estômago onde permaneciam até deixarem de ser girinos. Imagine a cena do ‘nascimento’ dos filhotes: eles saíam pela boca da mãe!

A técnica usada pelos cientistas para tentar ressuscitar a rã é conhecida, a mesma consagrada com a criação da ovelha Dolly, o primeiro clone mamífero. Os pesquisadores implantaram células da rã extinta dentro de ovos sem núcleo de outra rã parecida, a Mixophyes fasciolatus. O experimento foi possível porque um espécime do bicho estava preservado em um freezer da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, desde 1975.

Embriões
Os pesquisadores conseguiram obter embriões da rã em aquários e continuam as pesquisas com o intuito de chegar a girinos. (foto: Tarquin/ Wikimedia Commons)

Por cinco anos, os pesquisadores repetiram a experiência e observaram que os ovos implantados com material genético da rã deram origem a embriões. Os embriões não sobreviveram mais que alguns minutos, mas o cientista responsável pela pesquisa acredita que é um grande passo e que as chances de conseguir uma rã crescida existem.

A técnica usada para ressuscitar a rã é a mesma consagrada com a criação da ovelha Dolly

“Os desafios para seguir com esse tipo de experimento são tecnológicos e não biológicos”, diz o biólogo Michael Archer, líder da pesquisa anunciada durante o evento TEDx DeExtinction. “Estamos muito próximos de ver um girino, é uma questão de jogo de números: com bons ovos e tudo funcionando, esperamos que 1% dos embriões se divida. Estamos de dedos cruzados.”

A clonagem de animais é hoje rotina, usada, por exemplo, para criar gados. Archer diz que obter a rã extinta não é tão fácil porque não há ovos da espécie disponíveis e os ovos da outra espécie usados na experiência não têm o mesmo efeito que o original. 

Clonar para preservar

Mas por que ressuscitar uma rã? Archer defende a clonagem como estratégia de preservação ambiental. Ele e sua equipe tocam o projeto Lazarus que abarca planos mais ambiciosos, como clonar um tigre-da-tasmânia (Thylacinus cynocephalus), extinto desde 1933. Mas como eles não dispõem de material genético intacto do animal, a rã tem se mostrado um desafio mais plausível de concretizar.

A ideia dos cientistas é clonar as rãs extintas e deixá-las se reproduzirem em cativeiro para soltar os filhotes na natureza. “Queremos recuperar a biodiversidade”, diz Archer. “No momento, existem cerca de 200 espécies de anfíbios em extinção por intervenção humana e dispersão de fungos, temos o dever de mudar esse cenário.”

Rã
A rã australiana habitava as montanhas de Queensland e não se sabe se foi extinta por ação do homem ou de fungos. (foto: Peter Schouten)

A obstinação do cientista, no entanto, é questionável. O biólogo geneticista Fabrício Rodrigues, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lembra que o ambiente atual não é mais o mesmo vivido pela espécie extinta, o que pode resultar tanto em nova extinção da espécie clonada quanto na extinção de outras espécies que habitam o ecossistema.

Archer, no entanto, não está sozinho em sua empreitada. Já estão em andamento projetos científicos para reviver mamutes, dodôs e preguiças gigantes da Nova Zelândia. 

O veterinário Carlos Frederico Martins, da Embrapa Cerrado, também toca aqui no Brasil um projeto de clonagem, nesse caso, de animais silvestres em extinção. Em parceria com o zoológico de Brasília, a equipe do pesquisador pretende clonar animais como a onça pintada, não para soltar na natureza, mas para deixá-los no zoológico.

A reintrodução de animais extintos pode resultar tanto em nova extinção da espécie quanto na extinção de outras que habitam o ecossistema

Martins, que trabalha com outras técnicas de reprodução, acredita que a clonagem pode ser uma ferramenta de conservação, mas deve ser usada com cuidado e em complemento com outras estratégias, como a conscientização ambiental. 

O cientista lembra ainda que a técnica implica em uma baixa variabilidade genética dos animais, o que é prejudicial para a biodiversidade. 

“Sozinha a clonagem não garante a variabilidade genética, que é fundamental para todas as espécies”, diz Martins. “Clonar um indivíduo de uma espécie extinta não garante recuperação da espécie, pois é necessário que haja reprodução com a participação dos gametas masculino e feminino variados. Acredito serem positivas essas iniciativas para termos informações sobre a fisiologia e comportamento dos exemplares clonados, bem como para ter exemplares vivos para conhecimento da população. Mas reintroduzir espécies já é mais complicado.”

Confira uma versão desse texto para crianças no site da Ciência Hoje das Crianças 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line