Doce indicador de poluentes


Estudo da USP e da Unesp detectou níveis significativos de substâncias nocivas no mel produzido por abelhas que vivem em áreas de cultivo agrícola.

A análise do conteúdo químico do mel pode revelar surpresas nada doces. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), mostrou que o mel produzido por abelhas que habitam áreas de cultivo agrícola contém níveis significativos de substâncias nocivas, como pesticidas. A descoberta desses compostos no mel faz com que o emprego de abelhas domésticas ( Apis mellifera ) seja uma alternativa para monitorar a qualidade do ambiente e detectar o uso excessivo de agrotóxicos nas lavouras, que pode prejudicar a saúde dos consumidores.

A cada dia, abelhas operárias fazem uma média de dez viagens para explorar aproximadamente sete quilômetros quadrados de seu habitat, recolhendo o néctar, a água e o pólen das flores. Durante esse processo, diversos microrganismos, produtos químicos e partículas suspensas no ar entram em contato com esses insetos, ficando retidos nos pêlos de seu corpo ou então em seu aparelho respiratório, quando inalados por eles.

“A preocupação de analisar o mel surgiu porque, cada vez mais, ele tem sido produzido em cultivos agrícolas e florestais, que utilizam compostos químicos de maneira inadequada”, afirma um dos pesquisadores envolvidos no estudo, o biólogo Marcos Vinícius de Almeida, do Centro de Biotecnologia Agrícola da Escola Superior de Agricultura da USP de Piracicaba. “A grande sacada deste trabalho é aproveitar a atividade natural das abelhas como um bioindicador da existência de produtos tóxicos no cultivo agrícola, sem grandes custos de análise”, destaca.

Os cientistas observaram, durante seis anos, o mel produzido pelas abelhas da Reserva Campo Novo Vargem Limpa, em Bauru (São Paulo). “Dados da literatura científica mostram que o vôo das abelhas tem um raio de dois quilômetros de extensão; então instalamos colméias estrategicamente na mata, cerca de quatro quilômetros distantes uma das outras, para que cada abelha pudesse monitorar determinada área da reserva”, explica.

Para a análise, o mel é solubilizado em solventes específicos (clorofórmio e álcool etílico, por exemplo). Em seguida, passa por processos químicos como cromatografia gasosa e espectrografia, que separam quimicamente as substâncias e identificam as taxas de poluentes.

A partir das amostras coletadas, Almeida percebeu concentrações altas de até 48 tipos de pesticidas e organoclorados, substâncias usadas como inseticidas – algumas até banidas em muitos países, inclusive no Brasil, devido à sua ação cancerígena. “Encontramos, por exemplo, nas amostras de 2004, grandes concentrações de Malation, inseticida usado no combate ao mosquito da dengue e aplicado extensivamente nesse período, devido à epidemia que se instalou na região.”

Segundo o biólogo, o mel obtido de colméias usadas no monitoramento ambiental não é destinado à comercialização, por isso, os resultados da análise não devem preocupar os consumidores. Mas ele ressalta: “A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deveria ampliar a busca por contaminantes no mel comercializado e investigar a presença de outros possíveis pesticidas, além dos cinco atualmente analisados.”

Fabíola Bezerra
Ciência Hoje On-line
06/08/2007