Doença grave ganha modelo de estudo

 

Neurônio motor obtido a partir de células-tronco induzidas de fibroblastos de uma paciente idosa com esclerose lateral amiotrófica (crédito: Dimos, Rodolfa et al).

Pesquisadores americanos acabam de dar um importante passo rumo à compreensão e ao tratamento de uma doença neurodegenerativa chamada esclerose lateral amiotrófica, que provoca paralisia e morte. Eles conseguiram produzir células-tronco a partir de células adultas da pele de uma paciente e, em seguida, fizeram com que se diferenciassem em neurônios motores, que poderão ser usados como modelo para o estudo da doença em laboratório.

Essa é a primeira vez que células da pele de um paciente idoso com doença crônica foram reprogramadas para um estado semelhante ao de células-tronco pluripotentes – que, assim como as embrionárias, têm a capacidade de originar vários tipos celulares. Estudos anteriores já haviam mostrado que as células-tronco pluripotentes induzidas, como vêm sendo chamadas, podem ser geradas a partir de fibroblastos humanos de doadores saudáveis.

A técnica usada agora é a mesma desenvolvida pelos grupos que usaram células de pessoas saudáveis. Os pesquisadores retiraram fibroblastos da pele de uma paciente de 82 anos com uma forma branda de esclerose lateral amiotrófica causada por uma mutação gênica. Eles então inseriram quatro novos genes nessas células para induzir sua regressão para o estado de células-tronco embrionárias.

Em seguida, as células-tronco induzidas foram banhadas em moléculas que promoveram sua diferenciação em glia (células do sistema nervoso que nutrem os neurônios) e neurônios motores, que transmitem os impulsos nervosos da medula espinhal para cada um dos músculos do corpo. A esclerose lateral amiotrófica provoca a degeneração progressiva e morte desses neurônios, levando à paralisia, inclusive dos músculos envolvidos nos atos de engolir e respirar.

Desentrave à pesquisa
Até agora, nenhum grupo havia conseguido reproduzir em laboratório células humanas afetadas por essa doença. O feito, descrito na revista Science desta semana, promete resolver um problema que tem atrapalhado por anos a pesquisa da esclerose lateral amiotrófica. Como, na maior parte dos casos, a doença é resultado de interações complexas entre fatores genéticos e ambientais, seu estudo em culturas de células torna-se difícil.

“Nosso artigo agora mostra que podemos gerar centenas de milhões de neurônios motores geneticamente idênticos aos neurônios do próprio paciente”, disse um dos autores, Christopher Henderson, do Centro Médico da Universidade de Columbia (Estados Unidos), em comunicado à imprensa. Os pesquisadores supõem que os neurônios, obtidos a partir de células de uma paciente com uma forma genética da doença, também serão propensos à degeneração característica da esclerose lateral amiotrófica, embora o desenvolvimento do distúrbio ainda não tenha sido observado.

A promessa de suprimento ilimitado desses neurônios permitirá estudar as causas e os mecanismos da esclerose lateral amiotrófica e usar essas células como alvo para o desenvolvimento de drogas e de estratégias de prevenção. Os cientistas acreditam ainda que será possível criar células similares para o estudo de outras doenças, desde o mal de Parkinson até o diabetes e o câncer.

“O próximo passo é produzir neurônios a partir de células-tronco pluripotentes induzidas obtidas de uma pessoa normal e saudável e tentar determinar o que é diferente nos neurônios que produzimos a partir de pacientes com esclerose lateral amiotrófica”, disse outro autor do estudo, Kevin Eggan, do Instituto de Células-tronco de Harvard (Estados Unidos).

Existe ainda a esperança de que as células-tronco pluripotentes induzidas possam ser usadas para gerar células saudáveis geneticamente compatíveis com os pacientes. Mas os pesquisadores ressaltam que o uso dessas células em terapias de substituição celular ainda deve demorar, pois há obstáculos que impedem sua aplicação segura em humanos, como o risco de provocar câncer. Além disso, ainda não se sabe como reintroduzir essas células em um adulto doente de forma a beneficiá-lo.

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
01/08/2008