O único modelo dinâmico de estômago humano no mundo, que ingere e digere alimentos de verdade em tempo real, está prestes a ganhar um “companheiro de trabalho”. Após dois anos de uso intensivo, o equipamento desenvolvido por cientistas do Instituto de Pesquisa Alimentar, em Norwich (Reino Unido), precisava de reforço.
Desde que chegou ao instituto, em 2007, o modelo vem auxiliando uma série de pesquisas em diferentes áreas. No campo da saúde alimentar, por exemplo, ele vem ajudando pesquisadores a desenvolver alimentos capazes de controlar o apetite e a entender o comportamento de microrganismos benéficos (probióticos) e maléficos (como a salmonela) ao homem durante a digestão.
No setor de fármacos, o equipamento é usado em testes sobre os efeitos adversos da interação de determinados medicamentos com bebidas alcoólicas, outros remédios e diferentes tipos de alimentos.
O engenheiro químico Martin Wickham, líder do grupo que opera o “estômago”, perdeu a conta de quantos estudos já foram realizados desde então. “Usamos o primeiro modelo quase todos os dias. Decidimos então encomendar um segundo para dobrarmos nossa capacidade de pesquisa”, disse à CH On-line o pesquisador, especialista na fisiologia do estômago.
Desenvolver um estômago na bancada não foi fácil. Há 15 anos o grupo de Wickham estuda o sistema gástrico humano, procurando entender como o órgão responde à ingestão de diferentes materiais. Para isso, vinha contando com a ajuda de voluntários, que se submetiam a testes nada agradáveis envolvendo a introdução de tubos entre seus narizes e estômagos.
Simulação adequada
O estômago artificial desenvolvido pela equipe tem praticamente tudo o que seu equivalente humano possui, incluindo enzimas digestivas, ácido estomacal e bicarbonatos. Foram seis meses só para encontrar os materiais que simulassem adequadamente a bioquímica do estômago. “Foi preciso escolher materiais que não fossem digeridos pela máquina e descartar aqueles que pudessem contaminar os alimentos ingeridos, como o aço inoxidável”, explica Wickham.
O desenvolvimento do primeiro estômago levou cinco anos e custou cerca de três milhões de reais. Já o segundo modelo, que chega esta semana ao instituto, foi desenvolvido em menos tempo – 25 semanas – e, de acordo com Wickham, com custo consideravelmente menor.
Assim como o primeiro, o novo modelo deve simular todas as etapas da digestão humana realizadas no estômago. Porém, como a quebra dos alimentos começa antes de sua chegada a esse órgão, a primeira etapa da simulação acontece fora da máquina, com a ingestão da comida por Richard Faulks, colega de Wickham.
Faulks mastiga o alimento e, em seguida, cospe-o na parte superior do dispositivo, que corresponde ao corpo principal do estômago. Nesse momento, enzimas e ácidos estomacais são adicionados, enquanto o interior do equipamento é monitorado por sensores que enviam aos computadores informações relativas à acidez, volume, quantidade de água, entre outras, do “estômago”.
Digestão em tempo real
Na parte inferior do modelo, assim como acontece no estômago de verdade, o alimento é quebrado em partículas menores, para depois ser descartado por um tubo localizado na parte frontal da máquina. Todo o processo acontece em tempo real. “Quando comemos uma pizza, nosso estômago demora de duas a três horas para processá-la”, compara Wickham. “O mesmo acontece aqui.”
O bolo alimentar excretado pelo equipamento pode ser analisado pelos próprios pesquisadores do laboratório de Wickham ou pode ser congelado e enviado de volta às instituições contratantes do serviço. A demanda pelo uso do modelo é tão grande que Wickham e seus colegas estão em busca de um fabricante que possa produzir o equipamento em escala industrial. Eles estimam que, daqui a um ano, laboratórios interessados poderão ter seus próprios “estômagos”.
Enquanto isso, para não perder tempo – e clientes –, o instituto encomendou um terceiro modelo, que deve ficar pronto em setembro e será usado exclusivamente para testar fármacos. A expectativa é que os dispositivos diminuam o número de testes com animais e seres humanos. “Nunca poderemos substituir completamente os voluntários, mas podemos reduzir significativamente o número de testes in vivo e os custos das pesquisas”, garante o pesquisador.
Carla Almeida (*)
Especial para a CH On-line
29/07/2009
(*) A repórter viajou ao Reino Unido financiada pelo British Council.