Dunas marcianas

As dunas podem ser um excelente aliado na investigação do comportamento dos ventos existentes em uma região. O estudo da dinâmica de formação de dunas encontradas em Marte, realizado por um pesquisador da Universidade Federal do Ceará (UFC) em colaboração com cientistas de outros países, revelou novos dados sobre o regime de ventos do planeta vermelho.

A pesquisa foi feita com a ajuda de um programa de computador que simula as dunas em três dimensões e o padrão de ventos capaz de produzi-las. A ferramenta combina equações matemáticas e dados reais, como a densidade do grão de areia e a velocidade do vento, para descobrir a morfologia característica das dunas de uma região.

As dunas surgem a partir da interação de certa quantidade de areia com algum fluido, como o vento, que possa transportá-la. As formas mais conhecidas desses montes de areia são as dunas barcanas (que resultam do vento que sopra em uma única direção) e as dunas longitudinais do tipo seif (formadas por ventos que sopram a partir de duas direções diferentes ao longo do tempo, chamados bimodais).

Em Marte há formas de dunas exóticas, bem diferentes das encontradas na Terra

As barcanas têm tamanho médio de 5 a 10 m e formato de meia-lua. Já as dunas seif são mais altas e alongadas. Elas são comuns em desertos da África e do Oriente Médio, onde há quantidade abundante de areia e são frequentes os ventos que periodicamente mudam de direção.

Em Marte, porém, há formas de dunas exóticas, bem diferentes das encontradas na Terra. “Ao contrário das dunas seif terrestres, essas dunas marcianas aparecem em locais onde quase não existe areia no chão”, conta o único brasileiro participante do estudo, o físico Eric Parteli, da UFC. “Começamos a investigar, então, as condições necessárias para a formação dessas dunas no planeta vermelho”, completa.

Segundo Parteli, a forma da duna depende fundamentalmente da direção do vento ao longo do tempo. “Portanto, a partir da morfologia dos montes de areia, podemos saber o comportamento do vento em determinada região”, acrescenta.

Investigação inédita

Os cientistas simularam em computador como seriam as dunas formadas nas condições ambientais de Marte pela influência de ventos bimodais. O resultado foi distinto das grandes dunas longitudinais seif. “Encontramos diferentes tipos de dunas, cada uma com um formato que depende da duração e do ângulo do vento bimodal”, diz Parteli.

As dunas obtidas nas simulações assemelham-se às dunas exóticas já observadas em imagens de satélite do território marciano. “A pesquisa mostra que as formas exóticas encontradas em Marte aparecem quando há ventos que incidem em dois lados diferentes da duna ao longo do tempo”, afirma o físico.

Dunas em Marte
As dunas registradas em imagens de satélite de Marte, chamadas exóticas, aparecem isoladas umas das outras e são bem diferentes das dunas terrestres (imagem: NASA/JPL/MSSS).

Segundo Parteli, os resultados indicam a ocorrência de ventos bimodais em muitos campos de dunas marcianos. Até então, acreditava-se que esse tipo de vento deveria ocorrer muito raramente em Marte, já que dunas seif terrestres quase não eram vistas por lá.

Até então, acreditava-se que ventos bimodais deveriam ocorrer muito raramente em Marte

O estudo, publicado na PNAS, indica ainda que as dunas exóticas são tipos especiais de dunas formados em condições de pouca concentração de areia, assim como as dunas barcanas. No entanto, elas não têm o formato de meia-lua característico das barcanas, pois sofrem influência de ventos bimodais.

Simulador de dunas

O programa computacional usado na pesquisa foi elaborado por pesquisadores da Universidade de Stuttgart, na Alemanha, sob a supervisão de Hans Herrmann, pesquisador associado à UFC. Atualmente, a ferramenta passa por aperfeiçoamentos na universidade cearense.

“Um de nossos projetos consiste em incluir a descrição matemática da dinâmica de lençóis freáticos nas equações do modelo computacional”, conta Parteli. Com isso, os cientistas pretendem se dedicar ao estudo da formação dos Lençóis Maranhenses, no nordeste do Maranhão. “O objetivo agora é compreender como a presença da água interfere na formação das dunas nessa região”, completa.

 

Júlia Faria
Ciência Hoje On-line