Dupla dinâmica

“Nada como uma taça de vinho por dia para garantir boa saúde”, dizem muitos por aí para justificar seus hábitos etílicos. Mas será? De fato, estudos recentes vêm mostrando os benefícios de uma substância presente na uva – o resveratrol – no combate ao envelhecimento e até doenças como diabetes e câncer. Mas o resveratrol sozinho nem sempre dá jeito. Experimento conduzido por brasileiros ressalta o papel de uma proteína presente naturalmente em nossas células que potencializa a ação da substância contra cânceres. 

Há alguns anos, cientistas de todo o mundo estudam o resveratrol como ferramenta de combate ao câncer. Em alguns experimentos, a introdução da substância em células cancerosas levava à morte do tumor, em outros não. Uma das razões por trás disso foi agora revelada por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do INCT de Biologia Estrutural e Bioimagem

A resposta está no papel da proteína antitumoral p53. Presente normalmente em nossas células, ela evita a disseminação de tumores ao promover a morte de células que apresentam potencial para se tornarem malignas. Sempre que uma célula saudável está sob risco de sofrer alterações em seu DNA que podem levar a um câncer, a p53 é ativada.

Proteína p53
A proteína p53, mostrada ao lado de um DNA (em laranja), reforça a ação do resveratrol no combate ao câncer. (imagem: Thomas Splettstoesser/ Wikimedia Commons)

Os pesquisadores fizeram testes usando o resveratrol em células de câncer de pulmão e mama. Um grupo de células cancerosas usadas no experimento tinha a proteína antitumoral p53 e outro grupo era de células que não produzem a proteína. Eles observaram que nas células com a p53 o resveratrol mostrou bons resultados, eliminando o câncer. Já as células sem a proteína se mostraram mais resistentes à substância. 

“Isso indica que o efeito tóxico do resveratrol sobre as células de câncer é mediado pela p53”, explica uma das autoras do trabalho, a bioquímica Danielly Ferraz da Costa. “Existem células tumorais que não expressam a proteína p53 ou a expressam de forma errada e não vão responder muito bem ao resveratrol sozinho.”

Para verificar a ideia, os pesquisadores introduziram nas células cancerosas que não expressam a p53 o gene responsável pela produção da proteína. Com isso, as células tumorais ficaram suscetíveis ao resveratrol e foram eliminadas.

O estudo abre caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos contra o câncer, mas ainda é prematuro falar em aplicações práticas. “Existe a possibilidade de usar terapia genética para introduzir o gene que expressa a proteína p53 em células tumorais de um paciente, mas ainda estamos muito distantes disso”, diz Costa. 

O estudo abre caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos contra o câncer

A pesquisadora aponta que o caminho mais provável em direção a uma terapia talvez seja o uso do resveratrol associado a medicamentos que restauram a ação da p53 nas células cancerosas. No mesmo estudo, ela e sua equipe já testaram com sucesso em laboratório o fármaco PRIMA-1 com esse objetivo. 

O próximo passo da equipe é estudar a reação de outros tipos de câncer ao resveratrol e iniciar testes em animais. Costa também testa no momento a eficiência de outros compostos químicos, semelhantes ao resveratrol, encontrados em frutas vermelhas, o pterostilbeno e o piceatanol. 

Segundo a pesquisadora, essas substâncias circulam mais facilmente pelo organismo e por isso são candidatas potencialmente melhores para uma terapia contra o câncer. “Os compostos que estamos estudando são mais solúveis e isso faz com que eles se espalhem mais facilmente pela corrente sanguínea e cheguem em maior quantidade na célula alvo,” explica.

Moderação e cautela

Atualmente, existem centenas de pesquisas sendo realizadas com o resveratrol pelo mundo. Somente nos Estados Unidos são 58 estudos clínicos que vão desde tentativas de curar celulite até Alzheimer. 

O químico André Souto, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), foi um dos primeiros brasileiros a estudar a substância, em 1999. O pesquisador afirma que o resveratrol é uma substância promissora, mas pondera que muitos obstáculos ainda têm que ser superados antes de usá-lo como terapia para câncer. 

“Quando iniciamos nossas pesquisas havia muita dúvida sobre a eficácia do resveratrol contra doenças crônicas e degenerativas”, conta. “Hoje temos mais evidências de sua eficácia e segurança. Mas, em referência ao câncer, existem dados da literatura que indicam que essa molécula pode acelerar o câncer quando usada com certos tipos de quimioterapia.”

Costa: “As quantidades de resveratrol com que trabalhamos são muito superiores às encontradas em uma taça de vinho”

Por ser um composto natural, o resveratrol tem chamado a atenção de pessoas preocupadas com a saúde. É possível comprar suplementos alimentares da substância na internet e há quem pense que beber muito suco de uva ou vinho pode ser uma boa ideia. Mas Costa alerta para os perigos dessas estratégias.

“Esses suplementos não têm regulamentação e ainda não temos estudos suficientes para saber quais seriam as quantidades recomendadas de consumo dessa substância nem se ela pode apresentar toxicidade”, diz. E completa: “Além disso, as quantidades de resveratrol com que trabalhamos em laboratório são muito superiores às encontradas em alimentos e em uma taça de vinho. Seriam necessários litros e litros de vinho…”

 
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line