Ensinar ou pesquisar? O dilema não é nem tão recente assim na vida dos cientistas, mas ganhou nova luz com o artigo que sai amanhã (14) na Science. O texto é escrito por professores e pesquisadores do Howard Hughes Medical Institute (HHMI), instituição de pesquisa – e ensino – norte-americana.
O mote do artigo: os cientistas que têm trabalhos publicados em revistas científicas e investem o tempo em pesquisa são mais incensados e ganham maior reconhecimento acadêmico (e financeiro) do que os seus pares que atuam apenas no ensino universitário e na orientação de alunos.
“As instituições deveriam estar comprometidas, de forma mais ampla e eficaz, em premiar o esforço dos pesquisadores que também são professores excelentes e dedicados”, diz uma passagem do artigo.
O fato é que, seja no Brasil, nos Estados Unidos ou na maioria dos países do mundo, há uma cegueira em relação ao que vem sendo desenvolvido dentro de sala de aula. Para os cientistas do HMMI, o tempo que os professores passam ensinando já ganhou a chancela negativa de “carga horária”.
Na prática, o grupo que escreveu o artigo quer dizer: existe um maior comprometimento em passar o crachá e dizer que também se está dando aula do que, propriamente, ensinar com excelência.
“Não adianta também serem 180 horas de aulas ruins. É fundamental medir a qualidade, e não só a quantidade, do ensino. Falta uma forma de avaliar isso”, reflete Daniela Rozental, diretora adjunta de graduação do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Rozental acha que no Brasil, assim como em boa parte do mundo, não se valoriza o ensino. Diz que ela mesma, depois de algum tempo investindo esforço e se dedicando a ajudar seus alunos de pós-graduação, recebeu uma carta da UFRJ com um breve aviso: ela não poderia mais orientar alunos até que seu nível de publicações acadêmicas melhorasse. Em resumo: era hora de voltar a pesquisar.
“Isso é uma pena. O que está acontecendo é uma debandada geral, inclusive com professores colocando alunos de pós-graduação para substituí-los em suas aulas”, diz Rozental. “Não há uma recompensa do CNPq para quem se dedica a ser coordenador de curso, por exemplo. Não há uma bolsa por esse tipo de produtividade, e aí você acaba se dedicando ao ensino apenas por ideal e por opção pessoal, por achar importante.”
Como premiar os professores?
O artigo da Science faz sete proposições para que a balança penda, também, para quem ensina. Ou, como prefere falar o grupo que fez o estudo, para quem “também” ensina, já que no texto há uma clara defesa de que o ideal seria que os cientistas fizessem – e fossem recompensados – pelas duas tarefas: a de ser professor e pesquisador.
As proposições do time do HHMI passam, necessariamente, pelo melhor conhecimento do trabalho dos professores. Um exemplo: seria importante que toda instituição tivesse um grupo de estudo para discutir metodologias e novas práticas de ensino. Assim, a academia discutiria abertamente não só o que está acontecendo nos laboratórios, mas também o que ocorre em salas de aula.
“Essa questão realmente precisa ser revista pelas nossas instituições acadêmicas. O que eu faço até mesmo em relação à divulgação científica, como palestras para colégio, não é reconhecido”, conta Stevens Rehen, neurocientista e professor de diversas disciplinas na UFRJ. “Minha credencial é, sem dúvida, o que eu publico. Dedico-me às aulas e faço divulgação científica apenas porque quero.”
Necessidade e obrigação
Para o nosso colunista Adilson de Oliveira, físico e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ainda é forte na academia a ideia de que pesquisar é a parte nobre da ciência.
“Outro dia, ouvi de um colega que, para ensinar física, é necessário apenas saber física. Ele não considerou que ensinar física é muito mais do que apenas saber a matéria”, afirma Oliveira.
O físico explica que, para muitos cientistas, o ato de ensinar é apenas uma obrigação. Essa suposição faz com que o neurocientista Stevens Rehen jogue uma pergunta ao repórter, em tom de provocação: “Será que é mesmo necessário que haja professores que também são pesquisadores?”
Rehen acha que, muitas vezes, essa obrigação gera um “dilema esquizofrênico” diário, e que o profissional da universidade deveria ser incentivado a escolher – caso queira – entre ensino ou pesquisa.
“Há necessidade de valorizar o profissional no que ele quiser fazer. Senão todos ficam frustrados, os que pesquisam, os que não pesquisam, os que dão aula e os que não dão aula.”
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line