Mais vale uma árvore em pé ou derrubada? Para que a resposta ‘em pé’ seja benéfica tanto para o meio ambiente quanto para a economia, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou o conceito de Redd – Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal. Por meio do programa UN-Redd, a instituição incentiva países em desenvolvimento a diminuir suas emissões de gases estufa provenientes de desmatamento e receber por isso compensações financeiras na forma de doações ou créditos de carbono vendidos a governos mais ricos ou empresas.
O esquema de compensação não é imune a críticas, mas ainda assim o Redd vem sendo apontado por especialistas como uma boa ferramenta para combater as mudanças climáticas. Isso porque as florestas funcionam como enormes esponjas absorvedoras de carbono da atmosfera. Mas quais são as chances de sucesso e em que pé andam os projetos de Redd?
As discussões sobre o assunto têm marcado presença nas últimas conferências da ONU sobre mudanças climáticas – as COPs –, mas muitos países, como o próprio Brasil, ainda não têm um marco regulatório para o Redd. Mesmo assim, os investimentos são consideráveis. No mês passado, a diretoria de políticas do UN-Redd aprovou em seu orçamento para os próximos dois anos 47,6 milhões de dólares para ações nacionais de Redd+ ─ versão atualizada do projeto que inclui a conservação das florestas como forma de evitar emissões.
No entanto, segundo relatório escrito por mais de 60 cientistas, inclusive brasileiros, que será apresentado pela União Internacional de Organizações de Pesquisa Florestal (IUFRO, na sigla em inglês) no dia 2 de dezembro na COP-18, em Doha, Qatar, essas iniciativas só podem ter sucesso se levarem em conta a biodiversidade das florestas e as pessoas que vivem nelas.
O documento, que é um apanhado de diversos estudos na área, aponta que a biodiversidade é determinante na capacidade das florestas de absorver carbono, mas que isso nem sempre é lembrado durante o planejamento de projetos de Redd+. Uma das autoras do trabalho, a ecóloga Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, aponta que ecossistemas com muita biodiversidade e pouca capacidade de estoque de carbono correm o risco de receber menos atenção do que outros com mais capacidade de absorção.
“Não é apenas a taxa de absorção do carbono que conta para as emissões”, afirma. “Temos que considerar todo o ciclo do carbono, que é influenciado pela variedade de espécies no ecossistema. Uma floresta com alta biodiversidade desempenha funções que garantem sua sobrevivência por um período maior de tempo, por consequência, mais absorção de carbono em longo prazo.”
Os autores do documento, entre eles o economista Bernardo Strassburg, do Instituto Internacional para Sustentabilidade, apontam ainda que pensar no sustento e na qualidade de vida dos habitantes das florestas garante melhores iniciativas de conservação e redução de desmatamento. Um exemplo é a implementação nas comunidades de sistemas agroflorestais de cultivo que oferecem sustento a seus membros ao mesmo tempo em que conservam a cobertura verde.
“A participação das comunidades é fundamental até para o próprio objetivo de redução de carbono”, diz Strassburg. “Por muito tempo se pensou que levar em conta a comunidade era uma concessão necessária para alcançar os objetivos de carbono, mas nosso estudo mostra que os projetos de Redd+ são mais bem-sucedidos e sustentáveis quando há o envolvimento da sociedade e isso se reverte também na mitigação de carbono.”
Redd+ no Brasil
O Ministério do Meio Ambiente está formulando uma política nacional de Redd+ e alguns estados, como Acre, Amazônia e Mato Grosso, já têm legislação própria para tratar do tema. De acordo com levantamento mais recente do Serviço Florestal Brasileiro, existem no país 18 projetos de Redd+, 12% implementados, 53% em fase de elaboração e 35% em negociação e captação de recursos.
Para Strassburg, um dos desafios atuais do Redd+ no Brasil é conciliar as políticas dos estados e do governo federal. “O objetivo final do Redd é mudar a maneira que usamos a terra e diminuir as emissões de carbono e, para isso, as políticas estudais e nacionais têm que estar integradas e os setores de agricultura e transporte também têm que levar o Redd em consideração”, diz.
Apesar dos desafios, o diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Paulo Moutinho, acredita que o país tem tudo para se sobressair mundialmente nas iniciativas de Redd+. “O Redd+ poderá trazer recursos importantes para o Brasil e estamos preparados, temos uma posição privilegiada para aproveitar todo o potencial econômico que esse mecanismo oferece”, diz o biólogo, autor do livro Redd no Brasil – Um enfoque amazônico.
Paralisação global
Quando o assunto são os créditos de carbono, porém, o Brasil e demais países em desenvolvimento ainda precisam lidar com a paralisação do mercado. Atualmente, a maioria dos investimentos em Redd+ é público ou voluntário e a procura por créditos de carbono é pequena.
“A discussão em torno do Redd foi por muito tempo focada na oferta; dizia-se que os países em desenvolvimento não teriam a capacidade de diminuir o desmatamento”, comenta Strassburg. “Mas hoje o problema é o oposto, o mercado está parado porque não existe demanda por Redd. Países em desenvolvimento, como o Brasil, estão prontos para oferecer créditos de carbono via Redd, que têm um impacto enorme nas mudanças climáticas, mas nada acontece por falta de interesse.”
Uma explicação para a paralisação do mercado pode ser o alto custo de monitoramento das estratégias de Redd+. Joice Ferreira conta que um dos modos mais eficientes de estimar a taxa de absorção de carbono de uma área de floresta conservada ou restaurada é também o mais caro: usar altas torres instaladas na mata que medem as trocas gasosas entre a vegetação e a atmosfera.
Strassburg acredita, no entanto, que a estagnação se deve à falta de comprometimento global para minimizar os impactos das mudanças climáticas; sem metas definidas, não existe pressão para compensar emissões.
Um estudo publicado nesta semana pelo Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED, na sigla em inglês) corrobora essa tese. O trabalho mostra que pelo menos 30 bilhões de dólares foram prometidos por nações ricas em 2009 para serem direcionados ao Redd+ até 2012, mas somente 23,6 bilhões chegaram ao seu destino. Além disso, segundo o estudo, apenas 20% desse valor foi realmente alocado em projetos de adaptação às mudanças do clima em países pobres. O restante corresponde a empréstimos que devem ser pagos.
“É imprescindível negociar uma resposta global às mudanças climáticas e as nações mais ricas podem adiantar esse processo ao cumprir suas promessas passadas”, diz uma das autoras, Saleemul Huq, do IIED. “Países mais ricos precisam mostrar às nações mais pobres que estão comprometidos a trabalhar em conjunto nesse desafio global.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line