É possível agir já

Discutir as ações que podem ser tomadas para lidar com o aquecimento global é o objetivo do encontro do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC) que ocorre desde ontem no Rio de Janeiro. Esta é a primeira vez que a entidade promove uma reunião na América Latina. Cientistas, representantes do governo e da sociedade civil avaliam nos dois dias de discussão como evitar que as mudanças sejam mais intensas e as estratégias e tecnologias para lidar com elas.

O IPCC, recém laureado com o Nobel da Paz, lançou este ano seu quarto relatório sobre a situação climática do planeta. O documento afirma que, de maneira praticamente inequívoca (com 90% de certeza), a ação humana é a causa das mudanças no clima, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis. Tais mudanças têm efeitos como temperaturas globais mais altas e um aumento do nível do mar, cujas conseqüências podem comprometer a vida de milhões de pessoas.

Na abertura do evento ficou claro que é possível agir imediatamente para frear esse processo. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, uma das componentes da mesa, afirmou que, para o Brasil, país cuja matriz energética é considerada limpa (45% baseada na hidreletricidade), uma das ações mais efetivas que se pode tomar é reduzir o desmatamento. Segundo ela, essa redução tem acontecido e chegou a 30% em 2007. “Isso evitou que cerca de meio bilhão de toneladas de carbono chegassem à atmosfera, valor que representa 20% das reduções que os países ricos deveriam apresentar no mesmo período.”

Mohan Munasinghe, vice-presidente do IPCC (foto: Mariana Ferraz).

Desenvolvimento sustentável
Para o vice-presidente do IPCC, Mohan Munasinghe, adotar e incentivar o uso de tecnologias mais limpas e de modelos econômicos que levem ao desenvolvimento sustentável é essencial. “Implementar o desenvolvimento sustentável é a estratégia que defendemos para que os países melhorem sua capacidade de se adaptar as mudanças climáticas e de mitigar suas emissões de gases de efeito estufa.”

Natural do Sri Lanka, Munasinghe contou que propôs que o dinheiro ganho com o Nobel seja usado pelo grupo para a criação de um fundo de forma a colaborar com esse objetivo. Os recursos seriam usados para fomentar a construção da capacidade cientifica nos países em desenvolvimento, para que eles possam lidar com as mudanças climáticas, e para disseminar as informações produzidas pelo IPCC.

Após a abertura, o vice-presidente do IPCC conversou brevemente com a CH On-line. Confira a seguir a entrevista exclusiva com Munasinghe.

Que tipo de ação países como o Brasil podem tomar para lidar com o aquecimento global?
Mohan Munasinghe –
Muitos países em desenvolvimento podem combinar mitigação e adaptação com o processo de desenvolvimento. Por exemplo, quando se planta uma floresta, você está fazendo mitigação, mas também adaptação, ao mesmo tempo em que cria empregos. Esta é a contribuição que virá dos países em desenvolvimento: fazer que, com o desenvolvimento, eles se tornem países mais ricos, mas também dêem sua contribuição para a mitigação das mudanças climáticas.

Hoje existe uma pressão para que os países em desenvolvimento assumam limites para suas emissões. O que o senhor pensa a respeito?
Vou lhe dar minha visão pessoal, não falo aqui em nome do IPCC. Pessoalmente, acredito que os países em desenvolvimento mais pobres deveriam ser eximidos de qualquer limite de emissão de gás carbônico por algum tempo. Isso porque, para eles, o desenvolvimento deve vir primeiro, é preciso resolver problemas mais sérios e imediatos, como a pobreza e a fome. Esses países também devem focar suas ações na adaptação, devem proteger sua população dos efeitos das mudanças climáticas. Mas existem outros países, que estão em transição, se industrializando, como Coréia e Taiwan, que poderiam, em breve, ter limites de emissão estabelecidos, talvez na próxima rodada de negociações. Se hoje, com o protocolo de Quioto, temos apenas dois grupos, um com os países que têm metas estabelecidas – os países Anexo 1 – e outro com os países sem essas metas, acredito que no futuro teremos também um grupo intermediário, com esse países que estão se industrializando.

Como o senhor avalia o Protocolo de Quioto e como vê as negociações para acordos após o fim da vigência desse acordo?
O relatório do IPCC é muito claro quando diz que, mesmo com o Protocolo de Quioto, as emissões de carbono estão aumentando. Na verdade, nos últimos 30 anos as emissões subiram 70%, o que é chocante. Se continuar assim, nos próximos 30 anos as emissões crescerão entre 50% e 100%. Então o protocolo não teve muito impacto. Por isso, o futuro das rodadas de negociações pós-Quioto é muito crítico. Mas há outros fatores importantes, por exemplo, o recebimento do Nobel da Paz. Esta é a primeira vez que ele é oferecido a um trabalho científico – o que significa afirmar que a ciência é importante para a paz e para a segurança, não somente a política. Essa é uma mensagem muito importante. Além disso, acho que as negociações devem se acelerar em um futuro próximo, porque a opinião pública está mudando, temos mais informação e acho que muitos tomadores de decisão terão que mudar seu modo de pensar.

Como o senhor avalia o sucesso do mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), que permite que os países industrializados comprem créditos de carbono ao financiar iniciativas para mitigar as emissões de gases do efeito-estufa nos países em desenvolvimento?
Minha opinião é que poderíamos ter mais progresso nesse sentido. O progresso do MDL tem sido muito lento, em parte porque o mercado não está bem desenvolvido. Por exemplo, se você tem um bom mercado, o preço deve ser equilibrado, mas na maioria dos países da Europa, o carbono está valendo entre 20 e 30 euros, são cerca de 50 dólares a tonelada. Esses mesmos países podem vir para os países em desenvolvimento e pagar 5 ou 10 dólares a tonelada. Isso é uma situação de mercado. Eles podem vir aqui, comprar por 10 dólares e vender por 50. Outro motivo é que as pessoas têm precauções, elas não querem se prender a um compromisso no qual vendem seus recursos muito barato. Mas estou certo de que as pessoas de negócios dos países em desenvolvimento são espertas e vão, eventualmente, conseguir um bom preço. Mas antes o mercado vai se desenvolver devagar, enquanto as pessoas aprendem.  
 

Mariana Ferraz
Especial para a CH On-line
26/10/2007