Elucidação de nova estrututra celular tem participação brasileira

 

       

Para quem achava que a ciência do século 21 já sabia tudo sobre a célula, uma notícia surpreendente: acaba de ser descrita a função de uma nova organela, localizada no núcleo celular. Recém-batizada de retículo nucleoplasmático (RN), a estrutura havia sido visualizada em 1997 por um grupo britânico, que a descreveu mas não apontou seu papel nos processos celulares.

null

A função dessa organela foi desvendada por cientistas das universidades norte-americanas de Yale e Cornell e do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A descoberta foi publicada em 5 de maio na revista Nature Cell Biology e foi tema de editorial da Science em 9 de maio, com grande repercussão internacional.

O RN, formado por uma rede de túbulos ramificados, é responsável por armazenar e liberar íons de cálcio dentro do núcleo. Anteriormente, pensava-se que o cálcio chegava ao núcleo somente por meio de difusão através da membrana nuclear. Uma outra organela, o retículo endoplasmático, armazena e libera íons de cálcio no citoplasma. Tanto no núcleo como no citoplasma, os íons são liberados em áreas delimitadas.

“O aumento da concentração de cálcio em cada área define uma função diferente a ser executada pela célula”, explica Maria de Fátima Leite, professora da UFMG e co-autora do artigo. O cálcio modula funções como proliferação e diferenciação celulares, ativação e transcrição de genes, apoptose (morte programada das células), síntese de proteínas, secreção hormonal e contração muscular.

A estrutura tubular do RN demorou a ser identificada, provavelmente devido a uma limitação imposta pelo microscópio eletrônico: para a visualização, as células precisam estar mortas e fixadas (fixação é uma técnica usada para preservar estruturas celulares). “A nova organela era confundida com resíduos do fixador”, diz Fátima.

 

null

Células de fígado marcadas de forma a realçar os RN – túbulos brancos no interior dos núcleos que, nessas células, são ovais sobre fundo preto

 

Para observar a estrutura, foi utilizado um ‘microscópio de dois fótons’, na Universidade de Yale. O aparelho tem alta resolução de imagem e permite a visualização de células vivas. “Com esse equipamento, é possível ver a saída de cálcio das organelas e a execução das funções pela célula”, conta Fátima.

Além de implicar a necessidade de uma revisão dos manuais de biologia, a descoberta da função do RN pode ter muitas aplicações práticas. Ela deve, por exemplo, ajudar a entender o que leva as células a se multiplicarem desordenadamente no mecanismo de formação de tumores, e também pode esclarecer o funcionamento dos genes. “Já sabemos a seqüência genética do homem, mas ela nos diz muito pouco”, diz Fátima. “O RN deve nos ajudar a entender como os genes são regulados.”

Remédios mais específicos e com menos efeitos colaterais poderão ser criados: muitos medicamentos agem ao alterar os níveis intracelulares de cálcio, a mesma ação exercida pelos retículos endoplasmático e nucleoplasmático. “Se descobrirmos que funções celulares são mediadas por cálcio no núcleo e no citoplasma, poderemos criar medicamentos mais seletivos”, diz Fátima.

Adriana Melo
Ciência Hoje on-line
10/06/03