Em busca da identidade perdida

“Por baixo da pele, somos todos iguais”. Essa é uma frase conhecida que prega a igualdade entre todos os seres humanos – afinal, somos todos feitos de carne e osso. Mas o fato é que os ossos podem trazer informações fundamentais sobre quem somos, a ponto de identificar os indivíduos após a morte quando não há outras referências. Para garantir maior precisão a esse processo e diminuir a quantidade de ossadas sem dono, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desenvolveram um método de reconstrução de rostos a partir de crânios com o uso de um software

Nessa técnica, o crânio – que não pode estar danificado – é escaneado tridimensionalmente por lasers e, em seguida, as informações são processadas pelo programa. Baseado em pontos geométricos do rosto determinados a partir de cálculos matemáticos, o software gera uma imagem aproximada de como seria o rosto da pessoa em vida.

O projeto teve início em 2012, quando a dentista Andreia Breda, funcionária do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto (IML), entrou em contato com o Laboratório de Computação Gráfica do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ. Breda estudava a reconstrução facial a partir de ossadas no curso de doutorado em Odontologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e decidiu propor a digitalização do processo. “Essa nem era uma linha de pesquisa do nosso laboratório, não tínhamos conhecimento da área. Foi um trabalho multidisciplinar que deu muito certo”, conta Ricardo Marroquim, especialista em engenharia de sistemas e computação da Coppe, que participou da iniciativa.

Rosto digitalizado
Digitalização do rosto real correspondente ao crânio acima, para comparação. (imagem: Ricardo Marroqum)

Após um levantamento inicial de estudos já realizados sobre o tema, concluiu-se que a união entre conceitos de anatomia e ferramentas da computação poderia trazer bons resultados. No total, foram dois anos de pesquisa e desenvolvimento para a criação do programa, cuja fidelidade das reconstruções faciais foi testada com a participação de voluntários.

Menos arte, mais ciência

Até agora, a reconstrução facial era um trabalho não só científico, mas também artístico: desenhos feitos à mão e moldes de argila ocupavam o espaço que hoje os computadores dominam. A prática manual, mesmo com auxílio de computadores, tinha lá suas dificuldades. Encontrar profissionais com este perfil é um desafio e apostar na total precisão do trabalho, arriscado.

“Apesar de ser um trabalho meticuloso e admirável, o problema do procedimento manual é que profissionais diferentes podem acabar atribuindo características diversas aos rostos”, explica Marroquim. “Por exemplo, se cinco profissionais se baseiam num mesmo crânio, vão gerar cinco rostos diferentes”. 

Com o processo automatizado, os resultados prometem ser mais confiáveis. Além disso, a inovação também agiliza o processo. “Enquanto o processo manual leva cerca de três dias, nosso software finaliza o trabalho em menos de uma hora”, justifica o pesquisador.

Quem é quem

A reconstrução possui aplicações que vão da arqueologia à pesquisa forense. Esta última busca, por exemplo, desvendar a identidade de indivíduos desconhecidos após sua morte, usando ossadas encontradas. “Há métodos eficazes para identificar um cadáver, como coletar amostras de seu DNA”, explica Marroquim. “Mas, na maioria dos casos, esses métodos se aplicam apenas quando sabemos quem é a pessoa. Para comparar o material genético é preciso conhecer os parentes da vítima”.

Digitalização de crânio
Processo de digitalização de um crânio. (foto: Ricardo Marroquim)

A falta de conhecimentos específicos sobre os donos das ossadas torna a reconstrução facial valiosa para a ciência forense. Mas há limitações. A principal delas é que detalhes como cabelos e cores dos olhos ficam fora do ‘retrato’ final. “Se não sabemos nada sobre a pessoa, não podemos atribuir uma cor ao cabelo ou algo parecido – somos fiéis ao que o programa vai identificar, que são só os traços do rosto”, explica Marroquim. 

 

Valentina Leite
Especial para a Ciência Hoje On-line