Em busca das cidades invisíveis

Uma cidade formada por redes de conexões on-line, na qual cada atualização no Twitter – de imagem ou texto – forma um ponto, unido a muitos outros à medida que outras atualizações acontecem. A proposta de revelar uma camada até então desconhecida do ambiente urbano faz parte do projeto Invisible Cities [Cidades invisíveis], do designer americano Christian Marc Schmidt.

A ideia de ‘cidades invisíveis’ remete primeiramente ao romance homônimo do escritor italiano Italo Calvino (1923-1985). No livro, o autor conta uma conversa entre Marco Polo e o conquistador Kublai Khan, na qual o viajante descreve as cidades que compõem o vasto domínio do imperador.

Mais que descrever sensorialmente as cidades que visitou, Marco Polo as decifra em seus símbolos e significados. “Somente nos relatórios de Marco Polo, Kublai Khan conseguia discernir (…) a filigrana de um desenho tão fino ao ponto de evitar as mordidas dos cupins”, escreve Calvino.

Pequenas assinaturas

Esse conceito de cidade oculta é defendido pelo sociólogo André Lemos, coordenador do grupo de pesquisa Cibercidades, na Universidade Federal da Bahia (UFBa). Na semana passada, Lemos apresentou o Invisible Cities e outros projetos similares em seminário realizado na Casa da Ciência, no Rio de Janeiro.

Parquinho
Para André Lemos, são nossas ‘pequenas assinaturas’ – como as que deixamos num parquinho onde brincamos durante a infância – que dão sentido a certas partes da cidade (foto: Kênia Castro – CC BY-NC-ND 2.0)

Sua tese: perspectivas generalizantes ou muito abrangentes a respeito das cidades tornam-nas invisíveis.

Dizer, por exemplo, que o Rio de Janeiro é a cidade ‘maravilhosa’ insere confortavelmente seu habitante num imaginário partilhado, ao mesmo tempo em que oculta suas articulações numa ‘visibilidade genérica’.

“As cidades só fazem sentido a partir de pequenas assinaturas que imprimimos em suas ruas”, explica Lemos. “Não há cidades, há lugares”. Em outras palavras: é na rua em que moramos, no prédio onde estudamos ou no parquinho no qual brincamos durante a infância que o espaço urbano ganha sentido para nós, seus habitantes.

Assim, os clichês – como dizer que Salvador é uma cidade ‘alegre’ – são vazios de significado e escondem essas camadas mais simbólicas. Para Lemos, essas camadas são também responsáveis pelos futuros potenciais dessas cidades.

A tecnologia revela

As relações – afetivas ou não – que um habitante cria com sua cidade podem também se dar virtualmente. Assim, as tecnologias móveis (GPS, celulares, laptops etc.) têm um papel especial na revelação dessas múltiplas camadas.

Aí podemos incluir iniciativas como o projeto Invisible Cities, mas não só. Em sua apresentação, Lemos também mencionou um projeto interessante da Universidade de Edimburgo, na Escócia: um aplicativo de celular em que mapas antigos da cidade se superpunham ao GPS. Assim, o usuário poderia passear tanto pela Edimburgo atual como também por seus mapas do passado.

O próprio Lemos já fez sua tentativa de revelar uma cidade invisível. No projeto Survivall, ele experimentou escrever a palavra que intitula o projeto com GPS à medida que percorria um percurso de 40 km, além de mapear conexões sem fio por onde passava. Assim, durante a experiência, Lemos fazia suas ‘pequenas assinaturas’ nas ruas, ao mesmo tempo em que escrevia de fato no mapa da cidade.

O antropólogo Bruno Latour e a fotógrafa Émilie Hermant também exploram o impenetrável da ‘cidade-luz’ no projeto ‘Paris: ville invisible’ [Paris: cidade invisível]. Por meio de fotos e textos, a dupla tenta mostrar por que nenhuma cidade – nem uma das mais fotografadas do mundo, como a capital francesa – pode ser resumida num único olhar.

Survivall - André Lemos
André Lemos fez sua própria experiência de revelar uma cidade invisível em Edmond, no Canadá. Ele percorreu 40 km para formar a palavra ‘Survivall’, nome do projeto que originou a iniciativa (reprodução)

A CH impressa de setembro ainda está no forno, mas adiantamos para vocês que o artigo de capa trata justamente de cidades. Mais especificamente, da possibilidade de uma metrópole ser sustentável. Sem dúvida, a ideia de Lemos de uma cidade invisível e em camadas é um ótimo complemento para a reportagem, que ficará disponível aqui na CH On-line por volta do dia 15.

Isabela Fraga
Ciência Hoje/RJ