Em direção à última fronteira

O astrofísico Edward Stone trilhou uma aclamada carreira como líder da missão Voyager, da Nasa – a agência espacial norte-americana –, que em 1977 lançou ao espaço duas sondas de mesmo nome para explorar os planetas do Sistema Solar. Aos 77 anos, depois de quase 40 anos dedicados ao projeto, o cientista está longe de sonhar com uma aposentadoria. A grande expectativa de Stone é poder ver a Voyager 1 cruzar a heliopausa, limite entre a zona de influência do nosso Sol, chamada de heliosfera, e o espaço interestelar, onde estão outras estrelas. Segundo ele, isso está para acontecer a qualquer momento. 

Stone, que ocupa um escritório no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos, e acompanha de ‘perto’ qualquer movimentação das sondas Voyager, esteve no Rio de Janeiro na semana passada para participar da 33ª Conferência Internacional de Raios Cósmicos (ICRC). Na ocasião, conversou com a CH On-line sobre as sondas, que são os artefatos humanos que mais já se afastaram da Terra e provavelmente serão os primeiros a sair do nosso Sistema Solar.

CH On-line: O que vocês esperam encontrar quando a Voyager 1 finalmente chegar ao espaço interestelar?
Edward Stone:
Dentro da heliosfera, o material que temos é basicamente vindo do Sol: o campo magnético do Sol, os ventos solares e a atmosfera solar. Fora dessa ‘bolha’, da qual ainda não saímos totalmente, o material vem de explosões de estrelas, as supernovas, que podem ter ocorrido há 5, 10, 50 milhões de anos. O campo magnético do espaço interestelar é o da galáxia e há raios cósmicos acelerados pelas supernovas. Tudo isso está lá fora e alguns desses materiais já estão chegado onde a Voyager 1 está agora. Embora a Voyager ainda esteja conectada ao campo magnético do Sol, ela já tem um preview do que há lá fora.

“Embora a Voyager ainda esteja conectada ao campo magnético do Sol, ela já tem um preview do que há lá fora”

Vocês têm perguntas que esperam responder quando a Voyager chegar a esse ponto? 
Sim, mas os resultados mais importantes com certeza serão os que não estamos esperando. Assim que entrarmos no espaço interestelar, esperamos conseguir fazer algumas medições, por exemplo, desse campo magnético galáctico. Esperamos ver também, pela primeira vez, os raios cósmicos de menor energia que não conseguem entrar na heliosfera e chegar à Terra. Faremos ainda medições diretas de ventos de íons que são refletidos pela heliosfera. Hoje temos apenas informações indiretas sobre esses íons. Mas reafirmo que o mais interessante são as coisas que não esperamos, as surpresas.

Qual é a importância de medir os raios cósmicos e esses íons?
Os raios cósmicos são amostras de estrelas que explodiram e todos os elementos pesados que compõem as coisas na Terra e no Universo são produzidos por elas. Atualmente temos alguma ideia sobre a constituição dessas estrelas, porque alguns desses raios cósmicos entram na heliosfera. Mas os de menor energia não chegam. Com uma amostra direta desse material, poderemos refinar nossas análises sobre a composição dessas estrelas antiquíssimas. 

Última fronteira
A sonda Voyager 1 está a mais de 18 bilhões de quilômetros do Sol, muito perto de deixar a heliosfera e entrar no espaço interestelar. (imagem: Nasa)


O senhor trabalha no projeto Voyager desde o seu início, acompanhou de perto toda a evolução das sondas até chegar aonde estão agora, perto de sair da heliosfera. Como o senhor lida com a expectativa desse momento em que a Voyager 1 vai cruzar a chamada fronteira final?
A coisa legal da exploração espacial é a surpresa. Antes das Voyagers, os únicos vulcões ativos conhecidos do Sistema Solar eram os que temos aqui na Terra. A Voyager 1 achou uma pequena lua, Io, em Júpiter, com dez vezes mais atividade vulcânica que em toda a Terra. Tenho certeza de que, quando entrarmos no espaço interestelar, vamos achar coisas que nem esperávamos e vamos aprender muito com elas. Estou ansioso para que esse momento chegue, mas provavelmente não saberemos de imediato.

Olhamos para nossos dados com frequência, mas não todos os dias, pois leva 17 horas para que as informações obtidas pela sonda cheguem até aqui. Uma vez por semana nos reunimos, olhamos para os dados e vemos o que mudou. Aprendemos algo novo toda vez que olhamos para os dados. Não quer dizer que entendemos, pois a interação entre o Sol e o que há lá fora é muito complexa. Então, pode ser que a gente demore um pouco até ter certeza que a Voyager 1 atingiu o espaço interestelar.

“Pode ser que a gente demore um pouco até ter certeza que a Voyager 1 atingiu o espaço interestelar”

Como vocês vão saber que ela deixou a heliosfera, o que vai mudar?
Provavelmente vamos ver uma mudança de direção na sonda causada pelo campo magnético. O campo magnético do Sol está cheio de ventos solares e, porque o Sol gira, ele provoca uma espécie de ‘redemoinho’ gigante no seu campo magnético. Isso faz com que o campo magnético de dentro da heliosfera seja leste-oeste, enquanto o de fora é norte-sul. Então a Voyager deve mudar de direção quando sair do campo magnético do Sol. Mas isso é o que pensamos, o que vamos encontrar é outra história.

A Voyager 1 não vai ter energia para seguir sua viagem para sempre. Qual é a sua ‘expectativa de vida’ e o que vai acontecer quando ela parar de funcionar e de mandar sinais para a Terra?
As Voyagers são movidas a bateria de plutônio-238. O decaimento desse elemento é que gera eletricidade para que elas funcionem. Até 2020, a energia terá caído a tal nível que teremos que desligar os primeiros instrumentos. Estimamos que, por volta de 2025, teremos desligado todos os aparelhos. Mas a Voyager vai continuar vagando por milhares de anos pela Via Láctea por conta própria ou entrar em órbita de algum corpo.

O senhor vai ficar triste quando esse momento chegar?
Vai ser triste, mas descobrimos tantas coisas que estamos no crédito. As Voyagers são responsáveis por nos revelar o quão diversos são os corpos do Sistema Solar. Antes delas, poderíamos pensar que eram todos objetos antigos e mortos, mas eles são ativos, há vulcões, gêiseres, campos elétricos. O Sistema Solar é muito vivo. Tínhamos uma visão muito restrita do Sistema Solar quando só conhecíamos a Terra.  Elas cumpriram seu papel e é maravilhoso pensar que elas continuam descobrindo coisas até hoje!

Hoje, se lançássemos outra sonda em direção ao espaço interestelar, levaria os mesmos 36 anos para que ela chegasse nesse mesmo ponto em que a Voyager 1 está?
Sim, esse é um momento único em uma vida. Certamente vai ser apenas uma vez na minha vida que vou poder ver isso, talvez na sua você ainda tenha a oportunidade de ver isso outra vez, quando a Voyager 2 chegar lá também.

“Esse é um momento único em uma vida”

Nossa tecnologia teria que evoluir muito para criarmos uma sonda mais rápida e levaríamos décadas somente planejando o lançamento. Não acredito que isso esteja nos planos atuais de exploração espacial.

O que o senhor ainda quer ver no campo da exploração espacial?
Acho que a pergunta mais importante é a origem da vida, de onde ela veio e como chegou à Terra. Há vida microscópica em todo lugar na Terra, principalmente na água. A vida microbiana é muito robusta e a pergunta é se ela já ocorreu em outro lugar do Sistema Solar. Então, seria muito interessante encontrar água líquida em outros corpos celestes. Sabemos que Titã [maior satélite de Saturno] não tem água líquida, mas tem gás natural na superfície, o que pode ser parecido com o estágio anterior à vida na Terra.

Há muitas coisas para olharmos no Sistema Solar e também em outros sistemas. Já observamos muitas estrelas distantes e sabemos que praticamente todas têm planetas. A pergunta é: vamos conseguir observar os planetas em si e não só as estrelas como acontece hoje? Teremos a tecnologia? Quando poderemos olhar para as atmosferas desses planetas e verificar se há sinais de vida, como o oxigênio gerado por microrganismos? 

Disco dourado
As sondas Voyager carregam um disco de ouro com gravações de sons da Terra e saudações em mais de 50 idiomas. (foto: Nasa)


Cada uma das Voyagers carrega um cartão de visitas, um disco dourado com informações sonoras e visuais sobre a Terra, inclusive com saudações em 55 idiomas. O senhor participou da criação e decisão sobre o que entraria nesse disco?

Eu estava lá, mas não fiz parte da equipe que o pensou. Isso foi seis meses antes do lançamento e eu estava muito ocupado preparando o lançamento.

Se o senhor pudesse escolher outra coisa para inserir no disco, o que seria?
Com a tecnologia de hoje, poderíamos fazer uma representação muito mais completa da Terra. Graças aos sistemas digitais, conseguimos colocar muita informação em discos e suportes muito pequenos. Com um disco analógico estávamos limitados.

O senhor acredita que alguém, um dia, vai achar esses discos no espaço?
Acho que a mensagem é muito mais para nós mesmos do que para algum extraterrestre. Serve mais para nos lembrar que fomos capazes de fazer algo assim. Acredito que seja muito improvável que alguma forma de vida o encontre, porque o espaço é muito vazio e a Voyager provavelmente não vai chegar tão perto de outra estrela quanto chegou do Sol.