Responda rápido: você comeria a embalagem de sua comida? Essa pergunta lhe parece absurda? Pois saiba que cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) concentram-se justamente na produção de embalagens comestíveis que prometem conservar frescos por mais tempo alimentos como frutas, verduras e queijos. A tecnologia, que ainda está em fase de testes e não chegou ao mercado, é uma alternativa ecológica às embalagens de plástico sintético.
Produzidas em forma de filmes, essas embalagens comestíveis são uma espécie de plástico natural que, quando aplicado sobre a superfície dos alimentos, retarda a perda de água e as trocas gasosas entre o alimento e o ambiente, dobrando o tempo de vida do produto. Em Fortaleza (CE), pesquisadores da Embrapa Agroindústria Tropical, em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), desenvolvem filmes feitos com purês de frutas para aplicação nesse tipo de alimento. Esses materiais são quase transparentes e podem ter sabor e aroma idênticos ao da fruta com que são feitos.
Já em São Carlos (SP), pesquisadores da Embrapa Instrumentação Agropecuária desenvolvem filmes à base de proteínas do milho – chamadas zeínas – e quitosana, polissacarídeo extraído da casca dos crustáceos que, além de prolongar a vida do alimento, tem ação antibacteriana e fungicida. “Não existe um filme universal; para cada alimento é preciso desenvolver um filme diferente, que seja adequado a sua fisiologia”, explica o físico Odílio Garrido de Assis, pesquisador da Embrapa que atualmente trabalha com o filme de quitosana para aplicação em maçãs fatiadas.
Barreira finíssima
Para a aplicação do filme, o alimento é banhado em uma solução que depois de seca vira uma película de espessura finíssima, em torno de 0,1 mm. Essa cobertura age como uma barreira que retarda a oxidação e a perda de umidade do alimento.
“Os filmes comestíveis, além de aumentar a estabilidade dos alimentos e melhorar sua integridade estrutural, podem até mesmo torná-los mais atraentes ”, avalia a engenheira de alimentos Henriette Azeredo, da Embrapa Agroindústria Tropical. Ela acrescenta: “Frutas sujeitas a escurecimento após o corte, como bananas ou maçãs, não escurecem tão rapidamente quando revestidas com o filme.”
Por conservar os alimentos frescos por mais tempo, o material promete reduzir o desperdício de frutas e verduras, que, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, chega a 35% de toda a produção do país. Os filmes comestíveis já são bastante usados em países como Japão, Canadá, Estados Unidos e Alemanha. Mas, no Brasil, ainda não chegaram ao comércio.
“A tecnologia já está pronta e tem bastante gente interessada, mas o que limita seu uso é o alto custo dos filmes”, diz Odílio Assis. “Mesmo com a grande perda na produção de frutas e verduras no Brasil, os produtores ainda lucram. Então, essa tecnologia, por ser cara, não é procurada por eles.“
Nanotecnologia a serviço da indústria alimentícia
Nos últimos dez anos, foram desenvolvidos no país filmes comestíveis específicos para inúmeros alimentos, como queijos, dentes de alho descascados, mangas, maçãs e pimentões. No entanto, a maioria deles é pouco resistente. Para resolver esse problema, algumas pesquisas recentes feitas na Embrapa Agroindústria Tropical adicionam aos filmes as chamadas nanofibras naturais, partículas minúsculas (um bilhão de vezes menores que o metro) que conferem elasticidade às películas.
Por enquanto, o uso das nanofibras na produção dos filmes comestíveis está restrito ao laboratório, pois ainda não se conhecem os impactos que elas podem causar à saúde. Henriette Azeredo acredita que, em 4 anos, já haverá uma conclusão sobre a toxidade e segurança dessas partículas e a comercialização poderá ser liberada.
Solução ecológica
Os filmes comestíveis podem ajudar a reduzir o volume de plástico descartado no ambiente. “As embalagens de alimentos são planejadas para o descarte imediato após o consumo do produto, o que gera uma grande quantidade de lixo”, ressalta Azeredo. “Já o filme comestível não gera lixo”, completa. No Brasil, a produção anual de filme plástico chega a 210 mil toneladas.
No entanto, a pesquisadora explica que o filme comestível pode substituir apenas a embalagem primária, que fica em contato direto com o produto. “Ainda é necessário manter o revestimento secundário, externo, para proteger os alimentos da sujeira e, em alguns casos, do contato com a água”, ressalta.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line